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2006 marca o fim de um ciclo partidário
JAIRO NICOLAU
Poucas vezes fomos para as eleições no Brasil com tantas incertezas. Mas os sinais de que nos despedimos de um ciclo partidário são fortes
AS ELEIÇÕES de 2006 são mais
um marco da história republicana brasileira. É a quinta disputa presidencial e a sexta disputa para o Congresso após a redemocratização, o que supera os números da outra
experiência democrática vivida pelo
país (1945-64), quando foram realizadas quatro eleições para presidente e
cinco para o Congresso.
Hoje, o Brasil tem o terceiro maior
eleitorado do mundo, depois da Índia
e dos EUA. Provavelmente, mais de
100 milhões de eleitores comparecerão às urnas. O cadastro informatizado de eleitores e a urna eletrônica
praticamente eliminaram as fraudes.
O processo de votação no Brasil não
tem equivalente entre as novas democracias. Por contraste, lembremos das
fraudes que marcaram duas eleições
recentes de dois países importantes: a
dos Estados Unidos, em 2000, e a do
México, neste ano.
Mas, além desses sinais de aperfeiçoamento institucional, 2006 traz
uma disputa fundamental, pois deve
encerrar na vida partidária brasileira
um ciclo que começou há pouco mais
de uma década (1994). Esse período é
caracterizado pela polarização entre
o PT e o PSDB nas eleições presidenciais e por uma alta fragmentação
partidária no Congresso.
Durante essa fase, o PT se profissionalizou, fez um movimento em direção ao centro do espectro político e,
enfim, conquistou a Presidência. Esse
período é marcado pela presença de
Luiz Inácio Lula da Silva como ator
fundamental da disputa presidencial.
Lula disputou todos os sete pleitos
realizados (incluindo o segundo turno em 1989 e em 2002).
Mas quais seriam os sinais de que
devemos iniciar um novo ciclo partidário a partir de 2007? O primeiro é a
transformação do PT. O partido construiu sua reputação em torno de duas
grandes bandeiras. A primeira é o
compromisso com os setores mais
vulneráveis da população (o partido
da "questão social"). A segunda é a de
um partido cujos dirigentes não se
envolviam com esquemas de corrupção (o partido das mãos limpas).
Depois dos escândalos, o partido
nunca mais será o mesmo, pois viu
ruir um de seus pilares fundamentais:
os simpatizantes. A força eleitoral do
PT vinha não só do fato de ser o mais
bem organizado partido do país mas
também -e sobretudo- do apoio de
uma rede de simpatizantes que conquistava. Talvez não seja coincidência
que eu não tenha visto carros com
adesivo do PT nesta eleição.
O PT até poderá fazer uma expressiva bancada no Congresso e ainda será o partido mais organizado do país,
mas tem o desafio de reconfigurar sua
relação com parte do eleitorado.
Um outro fator que contribuirá para a reconfiguração do sistema partidário é a entrada em vigor da cláusula
de barreira. Os recursos públicos
mais importantes (tempo nos meios
de comunicação e dinheiro do fundo
partidário) ficarão concentrados nos
partidos que ultrapassarem os 5%.
Mais de uma dezena de partidos devem eleger deputados, mas não alcançar o percentual mínimo.
Durante 2007, provavelmente assistiremos a um intenso movimento
desses partidos "barrados" em direção aos maiores, além de possíveis fusões entre as pequenas legendas. Os
políticos sabem que disputar as eleições municipais de 2008 com tempo
de rádio e televisão reduzido e com
parcos recursos do fundo será fatal.
Um dos temas recorrentes na disputa de 2006 foi a defesa da reforma
política. É provável que o tema entre
em pauta em 2007. Ainda que não se
saiba qual será a extensão da reforma,
podemos esperar que algumas medidas (inibição às trocas de legenda, novo sistema eleitoral, novas regras de
financiamento de campanha) terão
forte impacto sobre os partidos.
Por fim, o sistema partidário ainda
sofrerá os efeitos inevitáveis da organização da base de apoio do novo governo no Congresso. Numa eventual
vitória de Lula, o PMDB deve ocupar
fatias importantes de poder e se tornar um pólo de atração dos deputados
dos pequenos partidos. No outro pólo, o PFL e o PSDB devem sair das urnas fortalecidos, com bancadas maiores e mais coesas na Câmara.
Enfim, tudo indica que caminhamos para um sistema partidário mais
enxuto, com quatro partidos grandes
(PT, PMDB, PSDB e PFL), mas com
papéis indefinidos em 2007.
Apesar do favoritismo do presidente Lula nas pesquisas, poucas vezes
fomos para as eleições no Brasil com
tantas incertezas: o que fará o eleitor
tradicional do PT? Será que os votos
em branco e nulos voltarão a subir
neste ano? Qual será o impacto do escândalo do dossiê sobre a disputa presidencial? Qual será a taxa de renovação na Câmara dos Deputados?
Independentemente das respostas,
os sinais de que estamos nos despedindo de um ciclo partidário são fortes. Em 2010, não haverá Lula candidato, e o PT terá de encontrar um nome para concorrer; o PMDB e o PFL
devem disputar a eleição presidencial
com candidato próprio. E tudo isso
sob uma nova lei de financiamento de
campanhas e, quem sabe, experimentando um novo sistema eleitoral.
JAIRO NICOLAU, 42, doutor em ciência política, é pesquisador e professor do Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro). Escreveu, entre outras
obras, "História do Voto no Brasil" (Jorge Zahar, 2002).
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