São Paulo, sexta-feira, 29 de setembro de 2006

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2006 marca o fim de um ciclo partidário

JAIRO NICOLAU

Poucas vezes fomos para as eleições no Brasil com tantas incertezas. Mas os sinais de que nos despedimos de um ciclo partidário são fortes

AS ELEIÇÕES de 2006 são mais um marco da história republicana brasileira. É a quinta disputa presidencial e a sexta disputa para o Congresso após a redemocratização, o que supera os números da outra experiência democrática vivida pelo país (1945-64), quando foram realizadas quatro eleições para presidente e cinco para o Congresso.
Hoje, o Brasil tem o terceiro maior eleitorado do mundo, depois da Índia e dos EUA. Provavelmente, mais de 100 milhões de eleitores comparecerão às urnas. O cadastro informatizado de eleitores e a urna eletrônica praticamente eliminaram as fraudes.
O processo de votação no Brasil não tem equivalente entre as novas democracias. Por contraste, lembremos das fraudes que marcaram duas eleições recentes de dois países importantes: a dos Estados Unidos, em 2000, e a do México, neste ano.
Mas, além desses sinais de aperfeiçoamento institucional, 2006 traz uma disputa fundamental, pois deve encerrar na vida partidária brasileira um ciclo que começou há pouco mais de uma década (1994). Esse período é caracterizado pela polarização entre o PT e o PSDB nas eleições presidenciais e por uma alta fragmentação partidária no Congresso.
Durante essa fase, o PT se profissionalizou, fez um movimento em direção ao centro do espectro político e, enfim, conquistou a Presidência. Esse período é marcado pela presença de Luiz Inácio Lula da Silva como ator fundamental da disputa presidencial.
Lula disputou todos os sete pleitos realizados (incluindo o segundo turno em 1989 e em 2002). Mas quais seriam os sinais de que devemos iniciar um novo ciclo partidário a partir de 2007? O primeiro é a transformação do PT. O partido construiu sua reputação em torno de duas grandes bandeiras. A primeira é o compromisso com os setores mais vulneráveis da população (o partido da "questão social"). A segunda é a de um partido cujos dirigentes não se envolviam com esquemas de corrupção (o partido das mãos limpas).
Depois dos escândalos, o partido nunca mais será o mesmo, pois viu ruir um de seus pilares fundamentais: os simpatizantes. A força eleitoral do PT vinha não só do fato de ser o mais bem organizado partido do país mas também -e sobretudo- do apoio de uma rede de simpatizantes que conquistava. Talvez não seja coincidência que eu não tenha visto carros com adesivo do PT nesta eleição.
O PT até poderá fazer uma expressiva bancada no Congresso e ainda será o partido mais organizado do país, mas tem o desafio de reconfigurar sua relação com parte do eleitorado.
Um outro fator que contribuirá para a reconfiguração do sistema partidário é a entrada em vigor da cláusula de barreira. Os recursos públicos mais importantes (tempo nos meios de comunicação e dinheiro do fundo partidário) ficarão concentrados nos partidos que ultrapassarem os 5%. Mais de uma dezena de partidos devem eleger deputados, mas não alcançar o percentual mínimo.
Durante 2007, provavelmente assistiremos a um intenso movimento desses partidos "barrados" em direção aos maiores, além de possíveis fusões entre as pequenas legendas. Os políticos sabem que disputar as eleições municipais de 2008 com tempo de rádio e televisão reduzido e com parcos recursos do fundo será fatal.
Um dos temas recorrentes na disputa de 2006 foi a defesa da reforma política. É provável que o tema entre em pauta em 2007. Ainda que não se saiba qual será a extensão da reforma, podemos esperar que algumas medidas (inibição às trocas de legenda, novo sistema eleitoral, novas regras de financiamento de campanha) terão forte impacto sobre os partidos.
Por fim, o sistema partidário ainda sofrerá os efeitos inevitáveis da organização da base de apoio do novo governo no Congresso. Numa eventual vitória de Lula, o PMDB deve ocupar fatias importantes de poder e se tornar um pólo de atração dos deputados dos pequenos partidos. No outro pólo, o PFL e o PSDB devem sair das urnas fortalecidos, com bancadas maiores e mais coesas na Câmara.
Enfim, tudo indica que caminhamos para um sistema partidário mais enxuto, com quatro partidos grandes (PT, PMDB, PSDB e PFL), mas com papéis indefinidos em 2007.
Apesar do favoritismo do presidente Lula nas pesquisas, poucas vezes fomos para as eleições no Brasil com tantas incertezas: o que fará o eleitor tradicional do PT? Será que os votos em branco e nulos voltarão a subir neste ano? Qual será o impacto do escândalo do dossiê sobre a disputa presidencial? Qual será a taxa de renovação na Câmara dos Deputados?
Independentemente das respostas, os sinais de que estamos nos despedindo de um ciclo partidário são fortes. Em 2010, não haverá Lula candidato, e o PT terá de encontrar um nome para concorrer; o PMDB e o PFL devem disputar a eleição presidencial com candidato próprio. E tudo isso sob uma nova lei de financiamento de campanhas e, quem sabe, experimentando um novo sistema eleitoral.


JAIRO NICOLAU, 42, doutor em ciência política, é pesquisador e professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Escreveu, entre outras obras, "História do Voto no Brasil" (Jorge Zahar, 2002).

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