São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2008

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Editoriais

Greve e insegurança


Policiais civis ou militares merecem tratamento salarial diferenciado, mas não deveriam ter direito de paralisar atividades

VINTE ANOS após a promulgação da Constituição de 1988, um dos itens mais sensíveis ainda carentes de regulamentação específica é o direito à greve na administração pública, o que tem favorecido ao longo dos anos uma profusão de paralisações. A greve da Polícia Civil no Estado de São Paulo, iniciada no último dia 16, expõe uma das conseqüências mais graves dessa lacuna, na sensível área da segurança pública.
Por conta do movimento, várias delegacias, especialmente no interior, deixaram de atender a população. Não houve registro de boletins de ocorrência. Investigações foram prejudicadas, formulários preenchidos via internet ficaram sem processamento, escoltas de presos para audiências judiciais foram canceladas. Em alguns distritos, o registro ficou restrito a casos graves, como homicídios.
Que a Polícia Militar não tenha aderido ao movimento é apenas uma atenuante para as dificuldades que enfrenta a população, já assediada pelo crime em escala muito acima do tolerável, especialmente nas periferias.
Os representantes do Estado que portam armas e têm poder de polícia não deveriam ter a mesma prerrogativa de paralisação de outros setores. Pela Carta, militares não têm direito à greve. Policiais -inclusive civis- também não deveriam usufruir da prerrogativa. Infelizmente, porém, esta não é a realidade atual.
Na falta de uma regulação específica, o Supremo Tribunal Federal (STF) agiu. Em 2007, decidiu que dispositivos da Lei de Greve (Lei 7.783/89), que rege o exercício de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, também valem para as greves do serviço público. Na ocasião, os ministros do STF foram enfáticos ao criticar a demora do Poder Legislativo em regulamentar o artigo constitucional que necessita de lei específica.
A medida foi benéfica, especialmente ao determinar que no serviço público prevalece a obrigação de atendimento, como é o caso das atividades essenciais no setor privado. Mas a intervenção do Supremo não contemplou as necessidades específicas da segurança pública. Ou seja, ainda é admissível a greve, desde que seja assegurada a prestação dos serviços indispensáveis.
No caso específico da greve em São Paulo, o Tribunal Regional do Trabalho determinou a manutenção dos serviços à população com 80% do efetivo e sem a interrupção total de qualquer atividade. A decisão foi ratificada pelo STF. Na prática, porém, a população ficou largamente desassistida, pois é sempre difícil caracterizar a omissão.
Nesse sentido, agiu corretamente o governo paulista quando decidiu punir abusos. Utilizar a Polícia Militar, excepcionalmente, em áreas de responsabilidade da Polícia Civil também foi uma maneira emergencial de o Estado atenuar o impacto da greve na segurança pública.
Mas isso não isenta o governo da obrigação de cumprir sua parte. Falta a contrapartida do poder público para que a carreira dos policiais seja efetivamente tratada com a importância devida. Isso significa aumentar salários e revalorizar a categoria com a maior brevidade possível. É inadmissível que o Estado mais rico do país ainda pague a seus delegados alguns dos salários mais baixos da Federação.


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