São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A arrogância da defesa do CNJ

ANTONIO CÉSAR SIQUEIRA


Ao acusar a magistratura de convivência com "bandidos de toga", a corregedora imputa a toda a classe a pecha que caberia a poucos


A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou em entrevista publicada anteontem que o exame dos limites de atuação do Conselho Nacional de Justiça, a cargo do Supremo Tribunal Federal, seria "o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga".
Disse ainda: "Sabe o dia que eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ".
Além dessas declarações, a corregedora vem demonstrando a sua contrariedade com a atuação do STF quando esse suspende os efeitos de decisões do CNJ ou as anula.
Pois bem. Ao acusar genericamente a magistratura nacional de convivência com "bandidos de toga", imputa a toda uma classe, que merece o respeito da população, a pecha que caberia apenas a muito poucos. Também se esquece que identificar essas exceções -e investigá-las- faz parte de suas atribuições na corregedoria do CNJ.
Mas não. A arrogância de se achar acima do bem e do mal, sem respeito ao próprio STF, arvorando-se em único modelo de moralidade, faz com que essas ações se mostrem desastradas e inoperantes.
Todas as liminares concedidas pelo STF contra decisões do conselho, sob a firme e sóbria liderança do ministro Cezar Peluso, tiveram como base a inobservância de uma ou mais garantias constitucionais: ampla defesa, devido processo legal, contraditório ou justa causa.
Essas garantias, que todos os brasileiros conhecem e cultuam, foram insculpidas na Constituição de 1988 exatamente para evitar o arbítrio e as condenações de exceção -tão comuns nos tempos da ditadura-, que são, obrigatoriamente, aplicáveis a todos os processos penais ou administrativos punitivos.
São essas simples e importantes garantias que, na opinião da corregedora, o STF, como guardião da Constituição, vem teimando em aplicar, deitando por terra as condenações sumárias do CNJ.
Que bom que seja assim. A democracia agradece.
A magistratura brasileira jamais compactuará com desvios funcionais, mas os juízes, como todos os cidadãos, têm o direito sagrado de ser processados com observância dos preceitos constitucionais.
Porém, vemos que as falhas na atuação não param por aí.
Ao afirmar, usando comparação de incrível mau gosto, que não vai inspecionar o tribunal de São Paulo por ele ser refratário às normas do CNJ, a corregedora declara, de público, que não vai cumprir seu dever legal: ou bem não há nada de errado e a inspeção é desnecessária, ou ela não está fazendo aquilo que deveria fazer.
Enfim, arrogância, no desrespeito ao STF, e descaso com suas atribuições demonstram que a corregedora faria um grande favor à nação brasileira se adotasse como lema de sua atuação o juramento que fez ao entrar para a magistratura: "Cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, pugnando pelo prestígio da Justiça".

ANTONIO CÉSAR SIQUEIRA, desembargador, é presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro.


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