São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Espaço para o Brasil mudar

Três idéias de política exterior ainda dominam o debate brasileiro. Cada uma, embora contenha verdades, está viciada por ilusões. Não basta misturar as três idéias para corrigir seus defeitos. Temos de traçar outra orientação.
A idéia da adaptação estratégica à preponderância americana parte de premissa incontestável. Os Estados Unidos afirmam hegemonia no hemisfério ocidental ao mesmo tempo em que lutam para evitar que qualquer país se torne dominante em outra região e exerça, à partir dessa base, influência universal. Desde o tempo do presidente Wilson, associam seus interesses nacionais a uma espécie de abertura, hoje chamada de globalização, que convenha a eles e seja por eles comandada. Resta-nos, segundo esse entendimento, ganhar tempo à sombra dos americanos, consolidando nossa liderança na América do Sul e defendendo nossos interesses comerciais mundo afora. Revela falta de imaginação das oportunidades de nossa situação esse enfoque fatalista e simplificador.
A idéia da primazia das negociações comerciais identifica na defesa agressiva das nossas exportações a tarefa prioritária da política exterior. Sofre de dois erros: a ilusão de que podemos usar as exportações para fazer o que não fazemos pela reativação da economia interna e a ilusão de que um Estado pode funcionar como empresa. Nossos pleitos comerciais só prosperarão quando vinculados a estratégias políticas que nos reforcem o poder de barganha e de influência.
A idéia do confronto terceiro-mundista reage contra as duas outras idéias, procurando filiar o Brasil a um movimento das nações mais pobres contra a ordem imposta pelas mais ricas. A versão mais recente dessa idéia é o plano de unir os países continentais periféricos. Não avança porque esses países concorrem entre si por benefícios que as potências centrais controlam.
O ponto nevrálgico da política exterior que convém hoje ao Brasil está em duplo movimento. De um lado, mudar os termos da nossa relação com os Estados Unidos. Buscar na economia e na política americana aliados para a ampliação do livre comércio. E construir os meios para complementar a integração econômica com mecanismos de diminuição das desigualdades dentro dos países do hemisfério e entre eles. Subestimamos as oportunidades que as contradições da sociedade americana oferecem para tais propostas. De outro lado, engajar em iniciativas econômicas e políticas comuns nossos parceiros na América do Sul, na União Européia e entre os grandes países em desenvolvimento. A maneira de engajá-los é aproveitar os conflitos entre seus interesses e a forma atual da globalização econômica e política. Em vez de planos abrangentes, ofereçamos iniciativas pontuais e acordos específicos que ajudem a fortalecer e a organizar o pluralismo de poder e de visão no mundo. Difícil e necessário é reconciliar as duas partes desse projeto: uma de aproximação aos Estados Unidos, a outra de contribuição aos entendimentos que pouco a pouco transformem a nosso favor a globalização que eles lideram.
Para executar essa operação, precisamos de atos arrojados mais do que de palavras bonitas. Já contamos com surpreendente grau de coesão nacional, com o reconhecimento de que o Brasil precisa reposicionar-se no mundo para poder mudar e com grandes talentos entre nossos diplomatas. Agora só nos faltam uma concepção clara de como atuar entre as nações e a determinação de traduzi-la em renovação profunda dos objetivos e dos métodos da política exterior.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

Internet: www.law.harvard.edu/unger


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