São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nossa causa é o Brasil

EMÍLIO ODEBRECHT

Apurados os votos, resta a singeleza rude da metáfora do futebol: treino é treino, jogo é jogo. Chegou a hora de trabalhar para transformar a esperança em fatos.
A síntese de todas as promessas dos vários candidatos foi tornar o Brasil um país no qual valha a pena viver, onde os projetos se materializem, onde haja lugar para o sonho. Quase dois terços dos eleitores brasileiros, maioria que representa uma manifestação inquestionável, escolheram Luiz Inácio Lula da Silva para presidir a nação pelos próximos quatro anos.
A legitimidade deste extraordinário apoio popular, por si só, não será suficiente para que o novo governo possa levar à frente um programa de ação que atenda às urgências dramáticas do país.
Agora, o desafio da construção de uma sociedade solidária, cujos integrantes estejam empenhados em estabelecer entre si um jogo de soma positiva, passa pelo compromisso de todos, tenham votado ou não no candidato vencedor, e, particularmente, das elites política, empresarial, intelectual e acadêmica. A responsabilidade das elites neste momento da vida brasileira foi tema de artigo que publiquei nesta mesma página em 27 de agosto ("A crise e o Brasil real").
A aceitação e a convivência com opiniões e atitudes que incluem variedade e dissonância são pressupostos de uma sociedade democrática. E assim deve ser, porque a sociedade brasileira é, social e culturalmente, multifacetada e plural. Mas o fundamento do compromisso entre pessoas é a identificação de uma causa comum que as mobiliza, pela qual lutam e à qual se mantêm fiéis.
Uma causa comum está acima das simpatias, das ideologias e até das divergências pessoais, promovendo a convergência, aglutinando contrários, passando ao largo dos interesses individuais ou antagônicos, invocando a força dos compromissos.
Neste momento, o único compromisso que podemos e devemos ter é com a causa comum chamada Brasil.
A construção desse novo Brasil, mais cidadão, mais igualitário, mais produtivo, só ocorrerá com a soma das forças do governo, dos partidos políticos, do empresariado, de toda a sociedade organizada do país.


Nosso sistema político é complexo e o processo de construção de alianças exigirá do novo presidente dedicação absoluta


Passada a tensão da disputa, já não há lugar para vencedores e vencidos, mas para brasileiros que, sem abrir mão de suas convicções e valores, devem assumir o papel de protagonistas das mudanças que o futuro exige. Nesse sentido, o presidente Fernando Henrique Cardoso está dando um exemplo nobre de democracia e consciência, liderando um processo de transição inovador, civilizado e maduro.
O comportamento do atual presidente é, portanto, exemplo a ser seguido, porque nossa responsabilidade é enorme. Essa responsabilidade adquire dimensão maior no mundo contemporâneo porque, se é verdade que o Brasil tem capacidade econômica reconhecida e não restam dúvidas sobre nosso potencial de desenvolvimento, sua inserção no cenário global é marcada por desequilíbrios com os quais ainda estamos aprendendo a lidar.
O grande capital não tem servido à produção, que promove o crescimento e gera trabalho; tem se realimentado em uma ciranda especulativa sem fim.
Nosso sistema político multipartidário é complexo e o processo de construção de alianças exigirá do novo presidente dedicação absoluta.
O candidato eleito é reconhecido pela capacidade inconteste de liderar grupos e mobilizar apoios. A história do partido que fundou e o resultado que obteve nas urnas são demonstrações inquestionáveis desses atributos, aos quais ele prometeu acrescentar a abertura permanente ao diálogo, o espírito conciliador e uma paciência infinita para negociar.
Assim, cabe às novas lideranças nacionais a responsabilidade de tomar as decisões e executar as ações decorrentes; e cabe à sociedade civil organizada mobilizar-se e assumir o papel histórico de se engajar na causa que deixou de ser político-partidária para ser de todos, por amor a este país.
O processo democrático se concluiu como um exemplo que ultrapassa nossas fronteiras, de maturidade e civismo. Eleito presidente, Lula é o novo líder da nação.
Todos nós, das elites às camadas mais populares das comunidades, precisamos, agora, caminhar no rumo da concretização da causa comum: o desenvolvimento que leve o Brasil a superar a exclusão social e criar as bases para a prosperidade da população.
O sucesso do governo Lula será o sucesso de todos nós.


Emílio Odebrecht, 57, engenheiro civil, é presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., holding da Organização Odebrecht.




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