UOL




São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O engenhoso Aznar

JORGE BORNHAUSEN

Modelo não . Não é o caso de copiar a Espanha, tão diversa do Brasil. Mas a experiência do primeiro-ministro Aznar, pelo que representa de avanços sociais e políticos, serve adequadamente como inspiração para uma virada nas políticas sociais e econômicas brasileiras; qualquer coisa de realmente novo -como se esperava do PT, que se revela anacrônico, como no culto a Fidel, e primário, pela admiração por Hugo Chávez.
Mas, além de representar o novo, Aznar também inspira eficácia. Principalmente no sentido de promover a felicidade do povo, começando com o combate sistemático ao desemprego, o primeiro indicador da eficácia de um governo moderno. Ora, emprego não é gerado por mágica, mas como afirmação interna e externa do país, pelo desenvolvimento, pelo combate à corrupção e por meio da prática exacerbada da democracia.
Que tal um país com juros bancários a 2% ao mês: desemprego em queda -redução dos mais de 20% para os atuais 8,6%; inflação de 2% ao ano; e com 49,4% do orçamento público aplicados em educação, saúde, Previdência, habitação?
Não foi por acaso, mas principalmente pela identificação com as idéias políticas firmes e as práticas realistas de governo de José María Aznar e seu partido, na Espanha, que o PFL aderiu à Internacional Democrata de Centro (IDC), de que somos membros de pleno direito.
A primeira lição de Aznar, e que nos serve como uma luva, é a de que o poder não é prêmio de loteria nem golpe de malandragem publicitária, que se conquista difamando os adversários, apregoando princípios em que não se acredita e projetos que não se possui.
Aznar e seu PP construíram, a partir da estaca zero, na oposição -como está fazendo o PFL-, primeiro um partido solidário e homogêneo (e isso não foi fácil na Espanha, com suas acentuadas e orgulhosas regiões), depois um conjunto de idéias, conceitos e propostas tão viáveis que puderam ser implantados assim que chegaram ao poder, desbancando o que parecia impossível, Felipe González e seu PSOE, de tão bela tradição. Algumas providências elementares foram essenciais, como levar o povo espanhol à ruptura com preconceitos ideológicos. Por exemplo: a ilusão, ainda muito forte no Brasil, de que toda inteligência é esquerdista e de que socialismo é sinônimo de ética e democracia, sendo que a experiência mostra que, na maioria das vezes, dá-se o contrário. A tentação totalitária é sempre privilégio do radicalismo, seja ele de esquerda ou de direita.


A primeira lição de Aznar é a de que o poder não é prêmio de loteria nem golpe de malandragem publicitária

Os mais insuspeitos analistas políticos europeus acham -e me parece que estão absolutamente certos- que foi o binômio modernidade (expresso nessa obsessão contra o desemprego) e democracia, pela demonstração diuturna de respeito à liberdade e combate à corrupção, que tornou singulares e vitoriosos Aznar e seu PP.
Como se vê, um belo repertório, que não se deve copiar ou imitar, mas que se pode adotar, pela sequência de movimentos, pela hierarquia dos valores, pela lógica do encadeamento cronológico.
Tenho a honra de conhecer Aznar, um expositor fluente, nada monótono e que parece ter prazer em transferir suas experiências, informações e preocupações, como aconteceu na reunião da IDC, em junho, em Lisboa. Minha impressão é de que conseguiu, nos seus oito anos de governo, um equilíbrio ideal entre o sonho e a realidade -a dura realidade, que parece enfrentar e desafiar com algum toque de elegância quixotesca. Como se tivesse atribuindo a esses moinhos de vento da realidade, que precisa enfrentar, pois não tem alternativa, a visão de exércitos dignos da espada do nosso amado Quixote, "el ingenioso hidalgo".
Tudo isso, como sempre costumo repetir quando exponho essas reflexões nas reuniões do PFL, sem esquecer a lembrança de Ortega y Gasset. Temos de reduzir tudo às nossas circunstâncias. Para não corrermos riscos.
Santiago Dantas, uma das grandes amizades do meu pai e de que muito nos orgulhamos, gostava de lembrar, citando o mesmo Ortega y Gasset, das meditações de Quixote: "Do querer ser ao crer que já se é vai a distância do trágico ao cômico. Esse é o passo entre o sublime e o ridículo".
Usando esses bons antídotos, igualmente ibéricos, para o pecado da simplificação e da má tradução, perigosíssimos na política, podemos trabalhar, sem sustos, a boa inspiração de José María Aznar. Ela nos serve cai uma luva.

Jorge Bornhausen, 66, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Ennio Candotti: A grande promessa

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.