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São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A grande promessa

ENNIO CANDOTTI

Dedicar 2% do PIB para CT&I (ciência, tecnologia e inovação) até 2007 é uma meta de governo reafirmada, em sucessivas oportunidades, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje os dispêndios são da ordem de 1% do PIB -isto é, cerca de R$ 12 bilhões por ano.
É possível alcançar essa meta sem elevar de modo significativo a contribuição dos recursos tributários do Orçamento da União. Para isso é necessário apenas preservar as dotações presentes e os fundos setoriais de cortes, sobressaltos e "reservas de contingência", afinar as ações dos diferentes ministérios e garimpar novas fontes de recurso.
Os fundos setoriais, exemplos de fontes novas, foram concebidos em 1999 para promover o desenvolvimento científico e tecnológico. Mobilizaram e recolheram contribuições de setores da economia, particularmente em áreas de recente privatização, e porcentagens das remessas ao exterior para pagamentos de royalties e tecnologia. Dinheiro, portanto, de origem não-tributária, inexistente até então no Orçamento da União.
O orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, para 2004, é de aproximadamente R$ 4 bilhões e corresponde a cerca de 30% dos dispêndios globais em CT&I do governo. Esse orçamento seria de R$ 4,8 bilhões, se dele não tivessem sido subtraídos cerca de R$ 800 milhões previstos na receita dos fundos setoriais, com destino às "reservas de caixa".
Repetiu-se assim, neste ano, a mesma prática, dos últimos quatro anos, de repassar apenas parte (menos de 50%) dos recursos recolhidos para os fundos. Sem levar em consideração que eles foram pensados e negociados com os contribuintes com o objetivo de dar estabilidade e permitir um crescimento, mesmo que moderado, aos investimentos na área, sem cortes e intervenções.
De 2001 a 2004, somam R$ 2.2 bilhões os recursos subtraídos dos fundos setoriais e dos compromissos que permitiram desenhar sua arquitetura.
Tanto os laboratórios de pesquisa e as universidades, como as empresas, que contribuem com grande parte dos recursos que os compõem, têm boas razões para denunciar o indevido recolhimento fazendário.


Os fundos setoriais foram concebidos para promover o desenvolvimento científico e tecnológico

Recolhimento indevido, uma vez que burla a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias, de 2002 (nš 10.524), que exclui de limitações e "contingenciamentos" os recursos para CT&I, incluindo os fundos setoriais que, sendo vinculados a finalidade específica, devem ser utilizados exclusivamente para atender esse objetivo.
Não são apenas jurídicas as razões da denúncia. Mais graves talvez sejam os próprios danos que o "confisco" desses recursos traz para o desenvolvimento científico e tecnológico que os fundos têm por objetivo promover, uma vez que paralisa as ações programadas e torna impossível pensar em novos modos de financiamento não-tributário semelhantes.
Os objetivos de agregar mais conhecimento e inovação às políticas públicas e à produção da indústria e da agricultura ficam assim comprometidos, e o símbolo dos 2% perdido. Deve-se, também, observar que os mencionados R$ 2,2 bilhões subtraídos do orçamento de CT&I correspondem somente à metade das "perdas e danos" correntes.
Existe outro fundo imobilizado. O Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que acumulou receitas de cerca R$ 2,5 bilhões, administrado pelo Ministério das Comunicações. Esses recursos, que têm sido recolhidos pela Fazenda, não podem ser destinados aos seus fins devido a entraves de ordem jurídica que Executivo e Legislativo tardam em resolver.
Trata-se de fundo criado logo após a privatização do sistema Telebrás, para promover a universalização do acesso às telecomunicações, tanto dos meios, como, possivelmente, das próprias finalidades e da formação de recursos humanos necessários para alcançar esses objetivos.
Novamente, a falta de entendimento que permita contornar as razões que justificam o bloqueio dos recursos do Fust tem como consequência retardar a construção de uma ampla rede de comunicação que ligue escolas e laboratórios, centros comunitários , universidades e bibliotecas.
Somados, os recursos das fontes mencionadas são superiores ao atual orçamento do MCT. Suas contribuições são hoje decisivas para que se possa traçar o caminho das metas que os 2% sinalizam -e cumprir a promessa em quatro ou cinco anos.

Ennio Candotti, 61, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Espírito Santo, membro do Conselho de Ciência e Tecnologia do MCT, é o presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).


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