São Paulo, segunda-feira, 29 de outubro de 2007

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Farsa parlamentar

Demagógicos e oportunistas, deputados e senadores mudam de atitude sobre a CPMF conforme a ocasião

TODO MUNDO sabe, declarou recentemente o presidente Lula, que o governo federal não pode abrir mão dos R$ 40 bilhões da CPMF. Seu diagnóstico é correto e pode ser chancelado por qualquer político oposicionista que aspire à sucessão presidencial em 2010.
A característica franqueza do pronunciamento presidencial não elimina, por certo, o quanto há de emergência e de improviso nas negociações em torno do tema. A complexa engenharia das compensações que agora ocupa governistas e peessedebistas no Senado, em meio às premências do calendário legislativo, poderia sem dúvida ter sido evitada se Congresso e Executivo tivessem se empenhado na elaboração de uma reforma tributária.
Dos tributos em vigor -contam-se às dezenas-, a CPMF não é o mais perverso nem o mais irracional. Com os necessários ajustes (que contemplem, por exemplo, uma redução da alíquota ao longo do tempo ou o abatimento de outros impostos mais nocivos à atividade econômica) e com o imprescindível compromisso de reduzir os gastos públicos, sua aprovação pelo Senado é sem dúvida a alternativa menos danosa de que se dispõe no horizonte imediato.
Tomou-se a questão da CPMF, entretanto, como símbolo de todo o histórico de abusos e extorsões com que o Estado, há décadas, vitima a sociedade. "Todo mundo sabe", para repetir a frase de Lula, que a redução da carga de impostos é prioritária para o desenvolvimento do país.
O que "nem todo mundo sabe", entretanto, é o grau de demagogia e de bravata que se abriga nas discussões parlamentares em torno da CPMF. Reportagem publicada pela Folha na última semana demonstra, num registro quase cômico, a volatilidade de atitudes de petistas, tucanos e ex-pefelistas no tocante ao assunto, conforme a posição que ocupavam na geografia do poder.
"A CPMF é um imposto cumulativo e ruim", disse o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), em maio deste ano. Durante o governo FHC, considerava essencial que o mesmo imposto fosse aprovado "de maneira consagradora", em nome de "um projeto e uma lógica". Esta, com certeza, se perdeu; teve o mesmo fim que a do deputado José Genoino (PT-SP), que em 1999 estigmatizava a CPMF como "a anti-reforma fiscal e tributária" e hoje a qualifica como "elemento importante do equilíbrio fiscal e do ajuste do pacto federativo".
Num momento em que se comemoram, com exagero, as decisões do Judiciário em favor da fidelidade partidária, não deixa de ser instrutivo o registro dessa deprimente mascarada parlamentar. Nenhum participante da farsa teve de mudar de partido para adaptar-se, digamos, às novas realidades.
Mudar de idéia, dirão os mais cínicos, é direito de todos. Seria o caso de retrucar, todavia, que assim como existe um imposto para as movimentações financeiras, seria bem-vinda uma taxa sobre as movimentações ideológicas dos legisladores brasileiros. O fisco não seria, sem dúvida, o único a agradecer.

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