São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Medidas provisórias

UMA RESTRIÇÃO de crédito, quer deliberadamente produzida pela autoridade monetária (para reduzir, por exemplo, a demanda agregada), quer induzida por alguma novidade superveniente que intranqüiliza o sistema bancário e o torna mais cauteloso, tem conseqüências sérias sobre o presente e sobre o futuro da economia real.
Toda a fina ourivesaria que é a chamada "economia de mercado", que o homem descobriu ao longo de sua história para atender com eficácia às suas necessidades materiais, só funciona quando está presente um fator catalítico invisível: a confiança entre os agentes. A economia real (aquela que cuida da produção de bens e serviços e que emprega a força de trabalho) depende do bom funcionamento da economia financeira que lhe fornece o crédito. Trata-se do lubrificante que lhe dá a oportunidade de mobilizar os fatores de produção ainda não empregados para ampliar os investimentos e aumentar o estoque de capital que acelera o crescimento futuro.
Essa estrutura produtiva eficiente, compatível com a liberdade individual, tem seus problemas, um dos quais é a flutuação ínsita em torno de uma tendência permanente de crescimento. Nos últimos dois séculos, por exemplo, o PIB per capita dos EUA revelou 46 ciclos irregulares em torno de uma tendência de crescimento positivo que o multiplicou por 50. Foi este progresso material que praticamente duplicou a expectativa de vida ao nascer de cada cidadão, o que é uma síntese do crescimento humano.
O sistema financeiro é ainda mais dependente da confiança, porque ele tem a propriedade de, com seus depósitos, multiplicar os meios de pagamentos. Isso significa que, por definição, ele será ilíquido se todos tentarem retirar simultaneamente seus depósitos.
Ele só é líquido e funcional enquanto seus depositantes "acreditarem" na sua liquidez e funcionalidade.
Se um evento qualquer reduz a confiança, produz-se uma restrição de crédito e, em seguida, uma constrição do sistema real com a queda da produção e do emprego. É para assegurar a "confiança" que foi inventado o banco central como agente do Estado e emprestador de última instância. Nosso sistema financeiro é hígido e cauteloso. Não lhe falta nem liquidez nem capital. O que agora lhe falta é o "conforto" para substituir o crédito externo desaparecido. É apenas isso que objetivam as recentes medidas enviadas ao Congresso pelo poder Executivo.

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ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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