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CLÓVIS ROSSI
Os cacos de uma cidade
SÃO PAULO - Mais um pedacinho
da "minha" cidade está morrendo, o
Liceu Coração de Jesus. Não que eu
tenha estudado nele ou conhecido
alguém que estudou lá. Fui a vida
toda aluno de escola pública, mas
sabíamos que o Liceu fazia parte
das referências em educação particular, para a qual olhávamos, nos
anos 50, começo dos 60, com um
certo ar de superioridade.
Sim, os alunos da escola pública
tínhamos motivos para essa sensação, mesmo que a comparação fosse
com escolas de referência do ensino
privado.
Que se haja privatizado a excelência já seria um péssimo sinal.
Que a antiga excelência privada se
desmanche junto com o desmanche da referência que era o centro
da cidade é ainda mais doloroso.
Não gosto de saudosismo, não
compartilho esse cântico tão argentino de que "todo tiempo pasado
fue mejor", mas não há como não
deixar cair uma lágrima por um e
outro desmanche.
É verdade que a degradação do
centro está longe de ser novidade. O
arquiteto Fernando Serapião, em
seu artigo de ontem para esta
Folha, põe nos anos 60 o início de
um dos sinais da decadência, qual
seja, a transferência das escolas privadas para longe do centrão.
A cidade nem se deu conta, então, de que estava renunciando a
manter seu centro vivo. Veio depois, a partir dos anos 90, uma série
de tentativas de revitalização, palavra que por si só indicava a perda
dos sinais vitais da área central.
Não deu certo, constata agora
Fernando Serapião. Há ainda alguma chance para ter de volta a "minha" cidade?
Nos EUA, também nos 90, havia
uma onda sobre a decadência do
que o jargão chamava de "inner cities", o centrão, em tradução livre.
Boa parte foi recuperada, ao menos
parcialmente. Há alguma maldição
que habita São Paulo e faz com que
a decadência se sobreponha a um
mínimo de civilização?
crossi@uol.com.br
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