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São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As altas taxas de "spread" são responsabilidade dos bancos?

SIM

Abrindo a caixa-preta do"spread"

LUIZ FERNANDO DE PAULA

A baixa relação entre volume de crédito e PIB que tem sido observada no Brasil nos últimos anos é, em boa medida, explicada pelos elevadíssimos "spreads" existentes no país, que inibem uma maior demanda das firmas e famílias por crédito.
Analisando a decomposição feita pelo Banco Central do "spread" bancário prefixado no Brasil, observa-se a seguinte composição em agosto de 2002: participação de 40,1% da margem líquida do banco; 20,6% dos impostos diretos; 17% das despesas de inadimplência; 14,1% das despesas administrativas; e 7,9% dos impostos indiretos. De 2000 para 2002 não houve mudanças significativas na composição do "spread" bancário no Brasil. Portanto fica claro que a caixa-preta que explica o "spread" é a elevada margem líquida dos bancos na sua atividade de intermediação financeira.
A análise da determinação do "spread" no Brasil pode ser dividida em dois aspectos: fatores macroeconômicos (taxa de juros, inflação, crescimento econômico etc.) e fatores microeconômicos (custos e receitas operacionais, liquidez dos bancos, alavancagem etc.). Estudo econométrico realizado por economistas do Banco Central mostrou que fatores macroeconômicos têm tido papel determinante na explicação do comportamento do "spread" bancário. Vejamos como e por que os bancos têm se aproveitado do contexto de instabilidade macroeconômica do país.
Sob condições de incerteza, os bancos têm aguçado sua preferência por liquidez, adotando uma estratégia "defensiva" de alocação de portfólio: retração da carteira de crédito, aplicação em títulos públicos, maior "turnover" nas operações de empréstimo (com redução de prazos) e elevação do "mark-up" bancário, o "spread".
Por outro lado, o aumento da participação dos títulos públicos na composição do ativo dos bancos (com predominância de títulos pós-fixados) permite aos bancos -quando lhes convém- fazer um hedge (seguro) contra a desvalorização cambial e a elevação da taxa de juros. Aplicações em títulos públicos representam um piso para o rendimento dos bancos, o que aumenta sobremaneira o custo de oportunidade para concessão de empréstimos por parte dos bancos, que passam a cobrar um prêmio de risco elevadíssimo nas operações de empréstimo.
Ora, essa estratégia tem se revelado altamente rentável aos bancos, uma vez que eles não enfrentam no Brasil o "trade-off" clássico liquidez versus rentabilidade: a composição do portfólio lhes permite obter, ao mesmo tempo, liquidez e rentabilidade.
Em condições de uma economia semi-estagnada e com crédito retraído, a estratégia "curto-prazista" dos bancos só pode ser entendida considerando dois fatores essenciais. Primeiro, o contexto macroinstitucional específico da economia brasileira, em que os bancos extraem vantagens das altas taxas de juros e das condições em que o governo tem gerenciado uma dívida pública elevada e predominantemente indexada.
Segundo, a existência de um mercado de concorrência oligopolista no Brasil, resultado do crescimento recente do "market share" dos maiores bancos no mercado. Isso fica evidente quando se observa a existência de uma clara relação inversa, nos últimos anos, entre volume de empréstimos e "spread" bancário no Brasil, o que resulta do fato de que os bancos optam por ganhar mais com uma margem maior, apesar do menor volume de operações de crédito.
Outra evidência é a ocorrência de uma certa inflexibilidade para baixo no "spread", uma vez que o movimento deste não tem acompanhado "pari passu" a diminuição recente na taxa básica de juros do país.
Em outras palavras, somente a existência de uma estrutura oligopolizada pode explicar por que os bancos compensam uma retração na oferta de crédito com uma elevação do "spread".


Luiz Fernando de Paula, doutor em economia pela Unicamp, é professor de economia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e co-autor de "Agenda Brasil: Políticas Econômicas para um Crescimento com Estabilidade de Preços" (Manole).
lfpaula@alternex.com.br



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