São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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JUSTIÇA CEGA

Ofende o sentido de justiça e a noção de solidariedade a prisão da ex-bóia-fria Iolanda Figueiral, 79. A aposentada é paciente terminal de câncer. Pesando menos de 40 kg e padecendo de dores excruciantes, ela pede para morrer em casa. Acusada de tráfico de drogas, é mantida como presa provisória, ou seja, ainda não foi julgada, o que deveria torná-la inocente aos olhos da lei.
O juiz do caso, José Guilherme Di Rienzo Marrey, da 6ª Vara Criminal de Campinas, negou um a um os vários pedidos dos advogados para libertá-la: relaxamento da prisão por falta de provas, liberdade provisória em caráter excepcional, indulto humanitário e mudança de regime para prisão domiciliar. Também o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou-lhe um habeas corpus.
O juiz alega que a Lei de Crimes Hediondos impede a concessão de liberdade provisória para casos de tráfico de drogas. É fato, mas muitos autores entendem esse dispositivo como inconstitucional. Mesmo que não seja, há precedentes de suspeitos de crimes hediondos ou equiparados que obtiveram liberdade provisória. Basta citar o caso ilustre de Suzane von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, soltos apesar de terem confessado o assassinato dos pais de Suzane a golpes de barra de ferro.
De resto, Iolanda é ré primária, tem endereço fixo e recebe aposentadoria de R$ 300 mensais. O próprio Ministério Público deu dois pareceres favoráveis à liberdade provisória.
A aposentada pode, como qualquer cidadão, ser acusada de um crime e presa. Mas ela tem o direito de ser julgada celeremente. Se o Estado não é capaz de fazê-lo num tempo "razoável", como definido pela emenda constitucional nº 45, é melhor que seja solta -e isso vale especialmente para idosos acometidos por doenças em estado terminal.
Existem milhares de maneiras de cometer injustiça sem quebrar uma única lei. Se o elemento humanitário não devesse ser sempre observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando mecanicamente as normas legais.


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