|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JUSTIÇA CEGA
Ofende o sentido de justiça e a
noção de solidariedade a prisão da ex-bóia-fria Iolanda Figueiral,
79. A aposentada é paciente terminal
de câncer. Pesando menos de 40 kg e
padecendo de dores excruciantes, ela
pede para morrer em casa. Acusada
de tráfico de drogas, é mantida como
presa provisória, ou seja, ainda não
foi julgada, o que deveria torná-la
inocente aos olhos da lei.
O juiz do caso, José Guilherme Di
Rienzo Marrey, da 6ª Vara Criminal
de Campinas, negou um a um os vários pedidos dos advogados para libertá-la: relaxamento da prisão por
falta de provas, liberdade provisória
em caráter excepcional, indulto humanitário e mudança de regime para
prisão domiciliar. Também o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou-lhe um habeas corpus.
O juiz alega que a Lei de Crimes Hediondos impede a concessão de liberdade provisória para casos de tráfico de drogas. É fato, mas muitos
autores entendem esse dispositivo
como inconstitucional. Mesmo que
não seja, há precedentes de suspeitos
de crimes hediondos ou equiparados
que obtiveram liberdade provisória.
Basta citar o caso ilustre de Suzane
von Richthofen e dos irmãos Cravinhos, soltos apesar de terem confessado o assassinato dos pais de Suzane a golpes de barra de ferro.
De resto, Iolanda é ré primária, tem
endereço fixo e recebe aposentadoria
de R$ 300 mensais. O próprio Ministério Público deu dois pareceres favoráveis à liberdade provisória.
A aposentada pode, como qualquer cidadão, ser acusada de um crime e presa. Mas ela tem o direito de
ser julgada celeremente. Se o Estado
não é capaz de fazê-lo num tempo
"razoável", como definido pela
emenda constitucional nº 45, é melhor que seja solta -e isso vale especialmente para idosos acometidos
por doenças em estado terminal.
Existem milhares de maneiras de
cometer injustiça sem quebrar uma
única lei. Se o elemento humanitário
não devesse ser sempre observado,
nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando mecanicamente as normas legais.
Texto Anterior: Editoriais: POLÍCIA EM CRISE Próximo Texto: Genebra - Clóvis Rossi: Votar, votar, votar Índice
|