São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Reinventar o social

Nesses 25 anos de mediocridade imposta, passou a vigorar no Brasil uma idéia perversa do social, recomendada por nossos tutores estrangeiros. O social não teria por tarefa capacitar a maioria assalariada do país. Seria espécie de caridade destinada a atenuar o sofrimento dos mais pobres enquanto o país segue a cartilha da confiança financeira e da imitação institucional a que se renderam seus quadros dirigentes.
Proponho reorientação radical. Em todos os campos, garantir o básico de oportunidades para todos -um primeiro trilho. E combinar essa universalização de oportunidades com um segundo trilho, de oportunidades especiais para os mais talentosos e esforçados. Exemplifico a idéia nos dois campos mais importantes: emprego e ensino.
Na área do emprego, o primeiro trilho é acabar com a informalidade em massa e estimular a contratação e a qualificação dos trabalhadores mais pobres. Para isso, abolir todos os encargos sobre a folha de salários, financiando os direitos trabalhistas por meio dos impostos gerais. E assegurar incentivo tributário a quem empregue e qualifique trabalhador menos qualificado. Medidas que só se viabilizam no quadro de uma política econômica que substitua gastança em juros por gasto em brasileiro.
O segundo trilho consiste em usar os poderes e os recursos do Estado para instrumentalizar a multidão empreendedora, imensa e desequipada, que emerge de baixo. Em vez de usar dinheiro de trabalhador e de contribuinte para subsidiar graúdo, difundir, entre os empreendedores emergentes, tecnologias e práticas avançadas e maneiras de ganhar escala de produção e acesso a mercados. Muitas Emprabas, muitos Sebraes, muitas novas maneiras de baratear crédito e tecnologia, ativamente promovidas pelo governo -esse é o caminho.
No domínio do ensino, o primeiro trilho é garantir mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola em todo o país, monitorar intensivamente os resultados, flexibilizar o regime federativo para facilitar a transferência de recursos e quadros dos lugares mais ricos para os mais pobres e formar professores aptos a ministrar ensino analítico e capacitador.
O segundo trilho passa pelo esforço de identificar os alunos mais talentosos e esforçados e de lhes oferecer oportunidades acadêmicas extraordinárias e apoios econômicos abrangentes. Vocês que não têm heranças ou padrinhos, sejam herdeiros da República e vanguarda do povo brasileiro, dirá a eles um Estado que não mais esteja no bolso dos endinheirados.
Tanto na economia quanto na educação, essa política social em dois trilhos -o fundamental e o extra- surtirá o máximo de efeito com o mínimo de recursos. Reconciliará as urgências do presente com as exigências do futuro. Dará braços para todos: base de oportunidade e de capacitação. E asas para quem possa e queira voar: vez para o talento, para a tenacidade, para a obsessão criadora e construtiva.
O impacto dessa reorientação será revolucionário e imediato, ainda que alguns de seus frutos demorem a amadurecer. O país trocará a inibição pelo dinamismo. O povo brasileiro será sacudido por onda de ambição e de esperança. O Brasil continuará vergado sob o peso de muitos de seus defeitos. Passará, porém, a ter o uso de algumas de suas virtudes.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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