São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O desafio da Febem

HÉDIO SILVA JÚNIOR

Alguns números merecem a reflexão de todos os que se interessam pelo tema da ressocialização do adolescente em conflito com a lei. O Estado de São Paulo possui 22,2% da população do Brasil, mas concentra 66,4% dos adolescentes em privação de liberdade de todo o país, segundo os dados oficiais do Ministério da Justiça. Como não é plausível que em São Paulo os jovens cometam duas vezes mais atos infracionais do que os adolescentes de todo o país, conclui-se que a medida de internação é aplicada pela Justiça paulista num número maior de ocasiões em relação ao Brasil como um todo.


6.858 jovens em privação de liberdade na Febem de São Paulo. A frieza do número não expressa a enormidade do problema


São 6.858 jovens em privação de liberdade na Febem de São Paulo. A frieza do número não expressa a enormidade do problema. Mesmo quem tem apenas um adolescente em casa, cercado por toda a proteção e carinho de uma família estruturada, sabe as complexidades dessa fase tão especial da vida. Agora, imagine o que é manter sem liberdade 6.858 jovens (que dariam 623 times de futebol ou 228 salas de aula de 30 alunos) que já cometeram infração e, quase sempre, têm uma história de famílias desestruturadas.
Quando a polícia prende um menor de idade e o encaminha à Febem, ocorre uma cena triste de uma história de fracassos. Falhou a família, o pai, a mãe. Fracassou a escola, a comunidade. Aí, o jovem comete o delito e vai parar na Febem. Espera-se, então, que, num passe de mágica, o Estado ressocialize o jovem e o recupere instantaneamente, sanando a lacuna de tantas falhas e de tantos anos em que esse jovem viveu sem o carinho e a atenção que merecia. É óbvio que essa expectativa é exagerada. Pior: algumas pessoas, entidades e até mesmo governos aproveitam-se desse drama social para fazer luta política, numa postura mesquinha e prejudicial para o trabalho de ressocialização.
O governo do Estado realiza um enorme esforço na Febem. A começar pelo orçamento da entidade: R$ 453,6 milhões em 2005. Apenas para efeito de comparação, o orçamento do governo federal para o Programa de Atendimento Socioeducativo do Adolescente em Conflito com a Lei, em 2005, é de R$ 25,4 milhões. Ou seja: São Paulo investe 18 vezes mais do que o governo federal nesse tema. E os recursos que o governo federal anterior enviava como apoio para a Febem cessaram.
Na maioria das vezes, quem escreve sobre a Febem, freqüentemente com opiniões terminativas, jamais visitou qualquer uma de suas 77 unidades. É certo que existem problemas, mas os esforços para enfrentá-los são grandes.
No último mês de julho, 6.296 adolescentes realizaram um processo de avaliação de conhecimentos para melhor adequá-los às séries da escola formal. Todos os internos, sem exceção, estudam. Os professores são capacitados especialmente para esse público, e o material escolar é especial. 31 internos foram aprovados em vestibulares no último ano e ganharam bolsas de estudo.
Além do ensino formal, há atividades profissionalizantes. O Centro Paula Souza, maior especialista em ensino técnico do Brasil, oferece 422 cursos para 4.600 adolescentes, com aulas de mecânica, pintura residencial, elétrica, instalação de telefones e outros. Há padarias artesanais em todas as unidades. Além disso, há 150 turmas de informática fornecidas gratuitamente pela Fundação Telefônica.
É extensa, também, a relação de atividades esportivas e culturais. São 129 oficinas do Projeto Guri, com instrumentos para o ensino de música, e 312 oficinas de arte e cultura. Na área esportiva, são 52 modalidades. No primeiro semestre, aconteceu a Copa Febem de futebol, com jogos preliminares ao Campeonato Paulista.
A regionalização já avançou muito, como atestam as 77 unidades atuais. Grandes unidades problemáticas foram desativadas, como Imigrantes e Franco da Rocha. A última grande unidade, do Tatuapé, também será desativada, e a área, transformada no Parque do Belém. Sete novas unidades estão em construção, 14 estão em processo de licitação das obras e há negociação com prefeituras para a cessão de 20 terrenos. Sou testemunha do empenho pessoal do governador Geraldo Alckmin nessas negociações difíceis, eivadas de preconceito e de interesses políticos menores.
A Febem não admite maus-tratos contra os internos. Há, atualmente, na Corregedoria da instituição, 1.139 procedimentos. Desde 2003, foram demitidos por razões disciplinares 154 servidores, 409 foram suspensos e 26 foram advertidos por escrito. Foram separadas as atividades de contenção das ações educativas e contratados novos profissionais: 1.123 agentes educacionais e 1.756 agentes de segurança.
O governo do Estado de São Paulo acredita na recuperação do menor infrator. Prova disso é que a reincidência está em queda: 17%, atualmente, contra patamares muito mais elevados no passado. É possível reduzir ainda mais a reincidência, e o governo não mede esforços para perseguir esse objetivo.

Hédio Silva Júnior, 44, doutor em direito constitucional, é secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Foi coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo.


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