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RUY CASTRO
Sentado atrás do gol
RIO DE JANEIRO - Entre as tantas efemérides de 2008, deixei escapar uma, apenas pessoal -quando
me dei conta, já era. Foi no dia 9 último: os 50 anos de minha primeira
ida ao Maracanã. Eu sei, todo mundo que gosta de futebol foi ao estádio uma primeira vez, e nem por isso a façanha merece ir para os calendários esportivos. Mas merece ir
para o meu calendário afetivo
-nem que seja pelo que se passou
muitos anos depois.
Era um Flamengo x Botafogo pelo campeonato carioca de 1958. Eu
tinha 10 anos e fui com meu pai, flamengo como eu. Saímos cedo, mas
o táxi engarrafou perto do Maracanã, o jeito foi apear e seguir as bandeiras. Lá dentro, só havia lugar
atrás de um dos gols -justo o gol
para que o Botafogo atacaria no primeiro tempo.
O ataque do Botafogo naquela
tarde era Garrincha, Didi, Paulinho,
Quarentinha e Zagallo -cheio de
campeões mundiais. A todo instante, Garrincha avançava pela direita,
driblava nosso lateral Jordan (pronuncia-se Jordã) e chegava à linha
de fundo, cruzando para o arco do
Flamengo, defendido por Fernando
-e por mim, sentado lá em cima,
atrás do gol.
De Garrincha saíram os gols de
Quarentinha, dois, e Paulinho, um
atrás do outro. No segundo tempo,
os times trocaram de lado e o Flamengo passou a atacar na minha direção. Pude então vibrar com o
massacre rubro-negro e com os gols
de Henrique e Dida. Mas ficou nisso: Botafogo 3 x 2.
Em 1995, 37 anos depois, publiquei um livro, "Estrela Solitária"
-uma biografia de Garrincha. Muitas vezes, durante o trabalho, aquelas arrancadas de Garrincha contra
meu coração me vieram à cabeça. E
só então descobri que o garoto,
mesmo tendo saído derrotado do
Maracanã, não odiou seu algoz nem
por um minuto. Era impossível
odiar Garrincha. Na verdade, era
impossível não amá-lo.
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