São Paulo, domingo, 29 de novembro de 1998

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Memória e olvido

CLÓVIS ROSSI

Santiago - Entre as incontáveis reflexões despertadas pelo caso do general Augusto Pinochet, resgato uma que pode ser aplicada ao Brasil.
Seu autor é o escritor chileno Jorge Edwards, em artigo publicado quinta-feira pelo jornal espanhol "El País".
O trecho que mais remete ao Brasil:
"As saídas de ditaduras só se podem realizar, ao menos quando são pacíficas, graças a uma sábia dosagem entre a memória e o esquecimento. (...) Pois bem, é provável que, no Chile, a dose de olvido tenha estado demasiadamente acima da dose de memória".
Se entendi bem, Edwards deve estar querendo dizer que, para livrar-se de uma ditadura feroz que parecia eternizar-se, boa parte dos chilenos optou por esquecer os crimes do período militar e tocar a vida para a frente.
Suponho que seria mais que razoável dizer-se que, no Brasil, a dose de esquecimento conseguiu ser ainda mais formidável do que no Chile. Basta lembrar que a Justiça chilena pôs na cadeia ninguém menos que o general Manuel Contreras, chefe da polícia política da ditadura. Para o meu gosto, é muito pouco, mas, de todo modo, é mais que no Brasil.
Não me lembro de nenhum agente do aparato repressivo brasileiro que tenha ido parar na cadeia. O contra-argumento é o de que houve uma anistia, mas a comparação é de novo desfavorável, posto que, no Chile, também houve anistia, mas limitada no período que cobre.
Mais: ao trocar a ditadura pela democracia, o Chile trocou igualmente de equipes governantes. Não há, aqui, membros dos partidos que defenderam (e ainda defendem) a ditadura participando do governo.
No Brasil, eu precisaria de umas 50 colunas iguais à esta para listar todos os que estavam com o governo, no regime militar, e continuam com o governo, na democracia.
Não, não estou cobrando vingança. Só menos esquecimento e um pouquinho mais de memória.



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