São Paulo, Quarta-feira, 29 de Dezembro de 1999


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CPI, advogados e STF


Não pode haver conflito entre as instituições porque elas são a garantia do Estado de Direito


MICHEL TEMER

O título deste artigo encerra três dos valores fundamentais para a democracia. Primeiro, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), porque são instrumentos reveladores de uma das tarefas básicas do Legislativo: apurar fato determinado com o objetivo de encaminhar a conclusão aos órgãos incumbidos do processo e julgamento.
É a CPI uma manifestação investigatória feita pelo povo, por meio de seus representantes e com a força institucional deles, a fim de que nenhum delito detectado deixe de ser apreciado e julgado. Veja-se o caso da CPI que investiga o narcotráfico. A droga e o seu consumo, que o traficante incentiva, fazendo-o meio de seus ganhos ilícitos, afligem a sociedade brasileira.
Quem não tem, entre seus familiares, amigos ou vizinhos, ciência de um caso, sempre dramático e atormentador? E quantos, no poder público e fora dele, não têm ciência de nomes envolvidos com o tráfico de drogas sem que, no entanto, providência seja tomada?
A CPI do Narcotráfico vem desnudando o tema. Trabalha para aflorar as questões e impedir que sejam jogadas para debaixo do tapete. Ao contrário: nunca, em tempo algum, o país, pelas pessoas e pelas instituições, esteve tão alerta para o tema, com o desbaratamento de grupos organizados que, ávidos pelo dinheiro obtido ilicitamente, infelicitam a família brasileira.
Realiza, assim, a CPI do Narcotráfico trabalho que, por seu forte conteúdo social, há de ser enaltecido. É valor, portanto, a ser preservado.
De outro lado está a figura do advogado, indispensável à administração da justiça, como estabelecido no artigo 133, que tive a honra de fazer inserir na Constituição de 88. Não se faz justiça sem advogado. Essa profissão emana dos princípios democráticos do Estado segundo os quais todos, sem exceção, têm direito à ampla defesa. Deriva da idéia de que ninguém pode ser considerado culpado senão após decisão judicial transitada em julgado. Deriva, portanto, da concepção de prestígio e preservação dos direitos individuais. Sabemos o quanto o poder público, munido de instrumentos de força, tende a desprezar direitos mínimos do indivíduo e, por aí, praticar injustiça.
O Estado absoluto, com forte concentração de poder, era pródigo na prática da injustiça, desprezados como eram os direitos fundamentais do homem. O Estado de Direito foi contraponto ao absolutismo. Com ele, os direitos dos indivíduos evidenciaram que o Estado é criado para servir ao povo, e não para servir-se dele. Daí o instituto da ampla defesa contra a eventual truculência do poder público. Daí a indispensabilidade do advogado na prestação desse serviço de defesa. A figura do advogado é consonante com o Estado de Direito. É valor, portanto, que há de ser preservado.
Finalmente, há o Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido de preservar a indenidade da Constituição, especialmente de suas vigas mestras, entre as quais avulta o direito à defesa. Por essa razão, provocada para garantir a presença do advogado nas CPIs, a Corte concedeu liminares. E elas foram concedidas no limite das atribuições próprias da advocacia em cada fase processual. Que pode fazer o advogado em depoimento? Pode pedir a palavra pela ordem (não se trata da nossa questão de ordem do regimento do Legislativo) para fazer constar que um ou outro direito constitucional de seu cliente está sendo ferido.
Em nenhuma passagem as liminares concedidas pela Corte Suprema autorizaram o advogado a contrariar, contraditar ou contestar fatos narrados ou argumentos. Autorizaram aquilo que o advogado pode fazer, normalmente, nos inquéritos policiais ou judiciais. É, assim -o Supremo Tribunal Federal como órgão incumbido de assegurar os direitos individuais-, valor a ser preservado.
A esta altura, o leitor estará concluindo que estou dizendo o óbvio. Tem razão. Mas está sendo importante ressaltar o óbvio. Destacar as obviedades se faz necessário, já que as pessoas se esquecem com incrível facilidade.
Basta lembrar que os últimos fatos envolvendo os três valores descritos quase geram conflito institucional, que foi superado quando registrei oralmente em plenário o que, agora, vai escrito. Não há nem pode haver conflito entre as instituições porque elas são a garantia do Estado de Direito. Nem elas desejam que isso ocorra. Muito recentemente, membros da nossa CPI do Narcotráfico estiveram com os representantes máximos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ajustaram cadeira cativa para membro da instituição nos trabalhos da comissão.
É da interação da OAB, do STF e do Legislativo que as instituições democráticas vicejam e crescem. Como aconteceu sempre e continuará acontecendo na história brasileira.


Michel Temer, 59, advogado, é deputado federal pelo PMDB-SP e presidente da Câmara dos Deputados. Foi secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.



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