São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

Seduções e compromissos

SÃO PAULO - O velho discurso social do PT ressurgiu finalmente anteontem na apresentação do futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a seus colegas de gabinete.
Depois de um período em que tocou só a música que os mercados adoram ouvir, Palocci constatou: "Temos consciência de que os votos recebidos por V. Excia. [Lula] vieram para corrigir a excessiva sedução pelos mercados que marcou a atuação do governo nos últimos anos".
O restante do texto dividiu-se entre considerações de ordem técnica sobre política econômica responsável, a novidade no discurso do PT, e a antiga ênfase na necessidade de atacar a obscena desigualdade que é a chaga aberta no organismo brasileiro.
Já aprendi que discurso é discurso, e nem sempre as palavras correspondem à prática administrativa. Tome-se, por exemplo, o discurso de Fernando Henrique Cardoso na sua primeira posse. A ênfase foi a mesma de Palocci anteontem: combate à pobreza e à desigualdade.
A pobreza até que se reduziu, graças ao Plano Real, uma obra do governo Itamar Franco, embora assinada pela equipe econômica montada por Fernando Henrique. Mas a desigualdade não se moveu nem um milímetro sequer.
De todo modo, discursos têm um papel simbólico importante: podem servir para cravar na agenda pública o que é relevante e o que é secundário na ação do governo. No caso de FHC, o discurso inicial foi sendo claramente arquivado em benefício do que Palocci classificou de "excessiva sedução pelos mercados".
O problema é o limite curto dos discursos se não forem seguidos por ações ou, ao menos, por outros movimentos simbólicos. Palocci já anunciou que a prioridade imediata é a taxa de câmbio, seguida de "reduzir ansiedades" e de "buscar o fluxo normal dos financiamentos e a extrema responsabilidade no gasto público".
Nada contra. O diabo é se tais prioridades podem tomar tempo suficiente para que "a sedução pelos mercados" suplante, de muito, o compromisso com o social.


Texto Anterior: Editoriais: BRASIL E VENEZUELA

Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: A brincadeira acabou
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.