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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Câmara dos Deputados teve neste ano desempenho melhor que a legislatura anterior?
NÃO
O ano não existiu
MARCO ANTONIO VILLA
EM FEVEREIRO, neste mesmo espaço, ao discutir se a nova legislatura seria melhor que a anterior, afirmei que não seria: "Nos próximos quatro anos, as galerias da Câmara continuarão vazias, e o plenário,
deserto de deputados e de idéias". Infelizmente, foi o que ocorreu.
A base governamental construída
na Câmara dos Deputados (assim como no Senado) imobiliza a ação do
Executivo por ser excessivamente
ampla e plural. Isso vem ocorrendo
desde 1985, com a provável exceção
do governo Itamar Franco. Em vez de
uma coalizão política sustentada em
bases programáticas, no Brasil temos
o presidencialismo de transação, baseado na voracidade dos partidos em
partilhar a máquina do Estado em benefício das velhas raposas.
O ataque aos cofres públicos é travestido para a opinião pública em governabilidade, e o bucaneiro, em reserva moral da nação. As raposas têm
longa vida política, pois, quando acusadas de atos lesivos ao Tesouro, acabam se safando -mesmo após breves
prisões- graças a uma Justiça lenta e
classista, além, claro, da eficaz ação
dos advogados, pagos a peso de ouro e
com recursos de origem duvidosa.
Dessa forma, não é acidental que, a
cada quatro anos, não importando
qual presidente esteja no Palácio do
Planalto, os velhos políticos apresem
o chefe do Executivo na armadilha da
governabilidade -referendados por
acadêmicos que dão verniz científico
ao presidencialismo de transação.
Como a ousadia política é produto
escasso no Brasil, a vontade popular
que referendou uma proposta nas
eleições para o Executivo acaba fraudada. Nenhum presidente teve a coragem de, primeiro, apresentar seu
programa de governo aos cidadãos e,
só depois, buscar apoio parlamentar.
Assim, a história da Câmara, a cada
ano, é sempre a mesma -e, muitas
vezes, com os mesmos atores. Estes,
vez ou outra, mudam de partido, porém continuam agindo da mesma forma. A renovação das cadeiras a cada
quatro anos -sempre louvada pelos
analistas como sinônimo de maturidade política- não altera em nada o
quadro, pois as raposas sobrevivem.
Em todas as votações consideradas
importantes, a base chantageia o Executivo: só apóia em troca de cargos e
liberação de emendas orçamentárias.
Estas, na maioria das vezes, em vez de
favorecer seus eleitores com obras
supostamente de interesse popular
-o que é sempre alardeado pelos deputados-, acabam beneficiando empreiteiras que, em troca, contribuem
para a caixinha do parlamentar.
Quando surgem novos partidos, como neste ano, não é por alguma razão
ideológica: é fisiologismo puro. A
idéia é que, com um maior número de
parlamentares, o partido possa exigir
um naco maior do bolo do poder.
Há partidos que têm predileção especial por alguns ministérios. O
PMDB tem uma verdadeira obsessão
pela área elétrica. O curioso, pelo que
se sabe, é que não são especialistas no
tema. Já o PR lutou incessantemente
para controlar uma diretoria do porto
de Santos. Fica a pergunta: por que
desejam tão avidamente esses cargos? Nos programas partidários, há
algum capítulo sobre a área elétrica
ou sobre os portos? Ou a razão é aquela que todos nós sabemos?
Em todo o ano, não houve nenhum
grande debate parlamentar. O PAC
passou em brancas nuvens. A CPMF,
que causou no Senado um terremoto,
na Câmara foi aprovada com enorme
facilidade, quase sem discussões. O
Orçamento da União -momento que
deveria ser o principal do ano parlamentar- teve uma discussão pífia e
só será aprovado, provavelmente, em
fevereiro de 2008. Questões como segurança pública, Amazônia ou a polêmica transposição do rio São Francisco foram discutidas tangencialmente.
A estrutura de funcionamento, o
excesso de funcionários e de deputados -uma das maiores Câmaras do
mundo-, a distribuição das cadeiras
privilegiando os Estados mais atrasados e o regimento antiquado imobilizam aquela Casa. Os bons parlamentares -há em número significativo-
não conseguem romper as amarras
do caciquismo e do fisiologismo.
2007 foi mais um ano em que a Câmara dos Deputados, em vez de legislar e fiscalizar o Executivo -suas atribuições constitucionais-, manteve a
Casa como um balcão de negócios.
MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história da
Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um perfil".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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