São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Câmara dos Deputados teve neste ano desempenho melhor que a legislatura anterior?

NÃO
O ano não existiu

MARCO ANTONIO VILLA

EM FEVEREIRO, neste mesmo espaço, ao discutir se a nova legislatura seria melhor que a anterior, afirmei que não seria: "Nos próximos quatro anos, as galerias da Câmara continuarão vazias, e o plenário, deserto de deputados e de idéias". Infelizmente, foi o que ocorreu.
A base governamental construída na Câmara dos Deputados (assim como no Senado) imobiliza a ação do Executivo por ser excessivamente ampla e plural. Isso vem ocorrendo desde 1985, com a provável exceção do governo Itamar Franco. Em vez de uma coalizão política sustentada em bases programáticas, no Brasil temos o presidencialismo de transação, baseado na voracidade dos partidos em partilhar a máquina do Estado em benefício das velhas raposas.
O ataque aos cofres públicos é travestido para a opinião pública em governabilidade, e o bucaneiro, em reserva moral da nação. As raposas têm longa vida política, pois, quando acusadas de atos lesivos ao Tesouro, acabam se safando -mesmo após breves prisões- graças a uma Justiça lenta e classista, além, claro, da eficaz ação dos advogados, pagos a peso de ouro e com recursos de origem duvidosa.
Dessa forma, não é acidental que, a cada quatro anos, não importando qual presidente esteja no Palácio do Planalto, os velhos políticos apresem o chefe do Executivo na armadilha da governabilidade -referendados por acadêmicos que dão verniz científico ao presidencialismo de transação.
Como a ousadia política é produto escasso no Brasil, a vontade popular que referendou uma proposta nas eleições para o Executivo acaba fraudada. Nenhum presidente teve a coragem de, primeiro, apresentar seu programa de governo aos cidadãos e, só depois, buscar apoio parlamentar.
Assim, a história da Câmara, a cada ano, é sempre a mesma -e, muitas vezes, com os mesmos atores. Estes, vez ou outra, mudam de partido, porém continuam agindo da mesma forma. A renovação das cadeiras a cada quatro anos -sempre louvada pelos analistas como sinônimo de maturidade política- não altera em nada o quadro, pois as raposas sobrevivem.
Em todas as votações consideradas importantes, a base chantageia o Executivo: só apóia em troca de cargos e liberação de emendas orçamentárias. Estas, na maioria das vezes, em vez de favorecer seus eleitores com obras supostamente de interesse popular -o que é sempre alardeado pelos deputados-, acabam beneficiando empreiteiras que, em troca, contribuem para a caixinha do parlamentar.
Quando surgem novos partidos, como neste ano, não é por alguma razão ideológica: é fisiologismo puro. A idéia é que, com um maior número de parlamentares, o partido possa exigir um naco maior do bolo do poder.
Há partidos que têm predileção especial por alguns ministérios. O PMDB tem uma verdadeira obsessão pela área elétrica. O curioso, pelo que se sabe, é que não são especialistas no tema. Já o PR lutou incessantemente para controlar uma diretoria do porto de Santos. Fica a pergunta: por que desejam tão avidamente esses cargos? Nos programas partidários, há algum capítulo sobre a área elétrica ou sobre os portos? Ou a razão é aquela que todos nós sabemos?
Em todo o ano, não houve nenhum grande debate parlamentar. O PAC passou em brancas nuvens. A CPMF, que causou no Senado um terremoto, na Câmara foi aprovada com enorme facilidade, quase sem discussões. O Orçamento da União -momento que deveria ser o principal do ano parlamentar- teve uma discussão pífia e só será aprovado, provavelmente, em fevereiro de 2008. Questões como segurança pública, Amazônia ou a polêmica transposição do rio São Francisco foram discutidas tangencialmente.
A estrutura de funcionamento, o excesso de funcionários e de deputados -uma das maiores Câmaras do mundo-, a distribuição das cadeiras privilegiando os Estados mais atrasados e o regimento antiquado imobilizam aquela Casa. Os bons parlamentares -há em número significativo- não conseguem romper as amarras do caciquismo e do fisiologismo.
2007 foi mais um ano em que a Câmara dos Deputados, em vez de legislar e fiscalizar o Executivo -suas atribuições constitucionais-, manteve a Casa como um balcão de negócios.


MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um perfil".

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