|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SERGIO COSTA
Nos olhos dos outros
RIO DE JANEIRO - Um simples caseiro derrubou o poderoso ministro. O
ministro não via o caseiro, mas o caseiro via o ministro. No discurso do
ministro, a casa onde trabalhava o
caseiro nem sequer existia. Do ponto
de vista do caseiro, o ministro era
bem diferente da imagem pública.
De perto ninguém é normal. Isso é
fato sabido e cantado. Mas homens
públicos costumam vender a imagem nada humana de que não têm
outros desejos fora o de poder. A
maioria parece acreditar no personagem que projeta.
Sabe-se lá por quais razões o caseiro que ninguém via na tal casa resolveu falar que o ministro ia lá. O que
se fazia na casa todo mundo já sabia.
Outros desejos e o próprio poder ali
se misturavam.
Pego na mentira, o ministro descobriu que o caseiro existia, e seu pessoal foi examinar de perto se ele também não era normal. Sua vida foi
vasculhada. Havia movimentações
financeiras fora dos padrões na conta de um banco estatal.
Os depósitos começaram em janeiro, mas o banco só "estranhou" o
movimento fora dos padrões no dia
17 de março, na semana em que o caseiro disse ter visto o ministro na casa. No mesmo dia, o bancão notificou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e o Banco Central.
Os bancos têm obrigação de comunicar em 24 horas movimentações
anormais. Naquela mesma sexta-feira, as informações foram parar numa revista.
A conta do caseiro tornou-se pública. Com ela, revelou-se também um
drama familiar, numa prova de que
ninguém é mesmo normal. Mas os
desdobramentos de tamanha invasão de privacidade acabaram derrubando o superministro e serviram
para expor gente que, em nome de
razões de Estado e desejo de (mais)
poder, é capaz de tudo.
De quase tudo, porque não enxerga
os olhos de caseiros, motoristas, secretárias, amantes, ex-mulheres etc.
Esses conhecem todos de perto.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Cobertor curto e imagem puída Próximo Texto: Demétrio Magnoli: Uma nação de corruptos? Índice
|