São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

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A vez dos deputados

Boa resposta ao anseio por fidelidade partidária seria aumentar o prazo de filiação necessário para o político candidatar-se

A VELHA tradição brasileira de providenciar o cadeado apenas depois de arrombada a porta volta a manifestar-se. A Câmara, atordoada pelo entendimento do TSE de que o mandato do parlamentar eleito em votação proporcional pertence ao partido, aquece as turbinas para votar alguma reforma política.
A situação é paradoxal. Por um lado, a corte eleitoral tem se mostrado à vontade para atuar num terreno que deveria ser prerrogativa do Legislativo. Não raro essas intervenções criadoras de norma geram insegurança. Qual será, por exemplo, a conseqüência prática da resposta à consulta do ex-PFL (hoje Democratas) se a Carta não elenca, entre os casos passíveis de cassação (art. 55), a desfiliação do partido?
Por outro lado, tais intervenções da Justiça ocorrem porque o Congresso se omite, há mais de uma década, da tarefa de modernizar as instituições da representatividade popular. Os termos da fidelidade partidária -um anseio da sociedade, que abomina o troca-troca entre legendas- deveriam estar esclarecidos nos códigos há muito tempo.
Agora o tempo da protelação terminou. Os políticos terão de decidir, e escrever em lei, se entregam o mandato ao partido ou se encontram alguma outra maneira de inibir a infidelidade. A primeira opção, apesar de receber bom respaldo na opinião pública, possui o inconveniente de transferir poder em demasia às cúpulas partidárias -e virtualmente suprimir a liberdade do parlamentar.
Conceder a dirigentes partidários a faculdade de cassar o mandato de políticos que foram eleitos num sistema nominal é dar margem a distorções na representatividade popular tão grandes como as que ocorrem hoje, apenas com sinal trocado. Corre-se o risco, ademais, de reduzir a atividade legislativa a um mero jogo de lideranças, o que interessa aos governantes de turno.
Um meio engenhoso de satisfazer à demanda por coerência na política, mas sem despojar o congressista de autonomia, é estender o prazo mínimo de filiação partidária para que um cidadão possa candidatar-se. Aprovado pelo Senado há seis anos, um projeto do então senador Jorge Bornhausen -que, curiosamente, também é o autor da consulta respondida na terça pelo TSE- aumenta esse período de carência de um para quatro anos antes da data do pleito.
No caso de um deputado, por exemplo, o custo de trocar de legenda para desfrutar das benesses governistas seria abrir mão da reeleição. Trata-se de mecanismo com alto potencial de inibir o vaivém entre legendas, que aumenta o poder da direção partidária, mas preserva -garantindo o mandato ao parlamentar- o direito à discordância.
Os deputados federais, que por interesse próprio deixaram de apreciar esse e outros projetos de fidelidade, têm a palavra.


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