São Paulo, sexta-feira, 30 de março de 2007

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Atraso corporativo

FOI COM JUSTIÇA que o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) insurgiu-se quando os médicos procuravam, através do projeto de lei de regulamentação do ato médico, criar a golpes legislativos uma espécie de reserva de mercado para a categoria.
Agora, quando os enfermeiros teriam a ocasião de demonstrar de fato quanto prezam a até há pouco defendida filosofia da interdisciplinaridade em benefício do paciente, dão mostras de um corporativismo que em nada deixa a dever ao dos médicos. Pior, tomaram medidas que tiveram o efeito prático de piorar a prestação dos serviços de saúde na rede pública de São Paulo.
Só o desejo de gerar empregos para o topo da categoria é que explica a atitude do Conselho de exigir, pelo instrumento da resolução, que enfermeiros com curso superior estejam presentes em todos os procedimentos para a retirada de córneas, que vinham sendo realizados por técnicos em enfermagem -também vinculados ao Coren.
Córneas não são vascularizadas, o que torna sua captação bastante fácil. Enquanto um rim ou um fígado precisam ser retirados com o coração do doador cadavérico ainda pulsando, córneas podem ser extraídas até seis horas após o óbito por um único profissional devidamente treinado -o que simplifica e barateia os transplantes.
A decisão do Coren, entretanto, levou o Banco de Olhos de Sorocaba, responsável por 75% dos transplantes no Estado, a paralisar suas atividades no dia 24 de fevereiro. A instituição diz que, para atender à resolução, precisaria contratar 60 enfermeiros, o que triplicaria seus custos.
Nesse meio tempo, os transplantes de córneas no Estado -serviço que funcionava relativamente bem- caíram brutalmente. Em fevereiro haviam sido 434 cirurgias. Em março, foram pouco mais de 200.
Mais uma vez, razões corporativas conspiram contra o interesse público. Não é a primeira nem será, infelizmente, a última vez.


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