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Atraso corporativo
FOI COM JUSTIÇA que o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) insurgiu-se quando os médicos procuravam, através do projeto de lei de regulamentação do
ato médico, criar a golpes legislativos uma espécie de reserva de
mercado para a categoria.
Agora, quando os enfermeiros
teriam a ocasião de demonstrar
de fato quanto prezam a até há
pouco defendida filosofia da interdisciplinaridade em benefício
do paciente, dão mostras de um
corporativismo que em nada deixa a dever ao dos médicos. Pior,
tomaram medidas que tiveram o
efeito prático de piorar a prestação dos serviços de saúde na rede
pública de São Paulo.
Só o desejo de gerar empregos
para o topo da categoria é que explica a atitude do Conselho de
exigir, pelo instrumento da resolução, que enfermeiros com curso superior estejam presentes
em todos os procedimentos para
a retirada de córneas, que vinham sendo realizados por técnicos em enfermagem -também
vinculados ao Coren.
Córneas não são vascularizadas, o que torna sua captação
bastante fácil. Enquanto um rim
ou um fígado precisam ser retirados com o coração do doador
cadavérico ainda pulsando, córneas podem ser extraídas até seis
horas após o óbito por um único
profissional devidamente treinado -o que simplifica e barateia os transplantes.
A decisão do Coren, entretanto, levou o Banco de Olhos de Sorocaba, responsável por 75% dos
transplantes no Estado, a paralisar suas atividades no dia 24 de
fevereiro. A instituição diz que,
para atender à resolução, precisaria contratar 60 enfermeiros, o
que triplicaria seus custos.
Nesse meio tempo, os transplantes de córneas no Estado
-serviço que funcionava relativamente bem- caíram brutalmente. Em fevereiro haviam sido 434 cirurgias. Em março, foram pouco mais de 200.
Mais uma vez, razões corporativas conspiram contra o interesse público. Não é a primeira nem
será, infelizmente, a última vez.
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