São Paulo, Terça-feira, 30 de Março de 1999
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Reforma política e expressão popular



Para que tenhamos um Parlamento vigoroso, são imprescindíveis partidos e políticos que honrem seus ideários
PIMENTA DA VEIGA

Tramitam no Senado três projetos de lei que tratam do fortalecimento do Legislativo, das relações institucionais entre os Poderes da República e das relações entre eleitores e partidos. O senador Sérgio Machado (PSDB-CE) apresentou dois: o que trata do prazo de filiação partidária e o que acaba com a coligação nas eleições proporcionais. E o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador José Agripino (PFL-RN), apresentou o que altera a vigência da Lei de Desempenho.
Esses projetos, embora independentes, são o primeiro passo da reforma política, há tempos desejada por toda a sociedade brasileira. Para debatê-los, é imperioso entender que eles não formam a totalidade dos diplomas legislativos necessários a essa reforma. São um primeiro (mas importante) passo para o aprimoramento das instituições políticas brasileiras, que se corporificam nas ações do Legislativo.
Com o respeito que a história lhe deve, o doutor Miguel Arraes, presidente do PSB, trouxe-nos sua importante contribuição para o debate (Opinião, pág. 1-3 de anteontem). Seus argumentos, porém, centraram-se em objetivos diferentes daqueles dos propositores dos projetos. Isso fica claro com a explicitação de cada uma dessas propostas, de iniciativa dos próprios partidos.
A Lei de Desempenho foi aprovada em 1995, para entrar em vigor a partir de 2005. O projeto apresentado pelo senador Agripino apenas faz com que a vigência seja imediata, não alterando seu mérito: condicionar o assento de partidos no Legislativo (assim como o acesso ao fundo partidário, à TV e ao rádio) à extensão de sua representatividade eleitoral -isto é, à sua capacidade de realmente traduzir a expressão popular. Essa lei fixa como parâmetros 5% dos votos computados em todo o território nacional (descontados brancos e nulos) e votação, estimada em 2%, em nove Estados da Federação.
Essa discussão teve início há cerca de 15 anos. Foi postergada exatamente para que todos os partidos nascidos com a redemocratização tivessem tempo para se solidificar como forças políticas, quantitativa e qualitativamente. Vários conseguiram se firmar nos dois aspectos; outros, em apenas um; muitos não atingiram nenhuma dessas premissas. O Brasil sabe também que muitos partidos com força política de qualidade não alcançaram a expressão numérica dessa força, mais por questões de método do que por divergências ideológicas; diferenças, hoje, às vezes pouco perceptíveis (até para seus militantes).
Assim, a vigência imediata da Lei de Desempenho não pretende obstruir canais políticos da sociedade. Pelo contrário: oferece, dada a possibilidade de unir idéias similares, a chance de conferir mais peso a essa representatividade, valorizando seja o descontentamento, seja a aprovação do modelo vigente no país, em qualquer momento.
O primeiro projeto do senador Sérgio Machado estipula quatro anos para mudança de filiação e um ano para filiações novas, preservando o surgimento de lideranças políticas. Ele atende diretamente ao clamor da sociedade por seriedade e lealdade aos programas apresentados em época de eleições.
Esse clamor é ainda maior diante das notícias de mudanças de partido realizadas pouco após a diplomação dos eleitos. Para que tenhamos um Parlamento vigoroso, são imprescindíveis partidos e políticos que honrem seus ideários. Aqui, não se trata da fidelidade partidária em toda a sua abrangência. O que se propõe é respeitar e valorizar o voto; é aprimorar a democracia, pela credibilidade de suas instituições.
O fim das coligações nas eleições proporcionais pretende mudar a atual relação eleitor-eleito para outra, entre o eleitor e o partido. Hoje, os partidos brasileiros se vêem impossibilitados de submeter à avaliação pública seus programas. Tornam-se, assim, muito semelhantes ao se apresentarem, nas eleições majoritárias, sob a capa do ideário de um candidato, devidamente ungido pela sua coligação. Contudo, ao votar num candidato ao Executivo ou ao Senado, os eleitores têm a certeza de que seus votos vão para aquele candidato -por seu programa, por suas qualidades e idéias pessoais ou simplesmente pela sua capacidade de empatia.
Entretanto, se esses eleitores não se sentem "traídos", o mesmo não ocorre nas eleições proporcionais. O voto não elege necessariamente o candidato do eleitor. Por força das coligações, é possível eleger alguém com cujas idéias ele não concorda. Novamente, o partido não tem chance de discutir com a sociedade suas propostas ou de se apresentar como opção programática e ideológica de expressão da vontade popular. Esse projeto, também apresentado por Machado, resgata a identidade dos partidos, dando-lhes em definitivo a competência para se apresentar no Parlamento como legítimos representantes de um sentimento popular.
A iniciativa dos partidos tem o apoio do governo federal -notadamente, pela íntima relação dos problemas econômico-sociais com a questão político-institucional do país. Aliás, em todo o mundo, nenhuma discussão sobre a economia pode prescindir da análise da situação política. O próprio Congresso demonstra essa consciência ao deliberar simultaneamente sobre temas igualmente relevantes, como a reforma tributária e os primeiros passos (faço questão de frisar) da reforma política.
É evidente, ademais, que, com partidos fortes, cujas relações com os eleitores e o Executivo não sejam tão pulverizadas como hoje, o trato de questões como a reforma tributária (anseio de todos, indispensável para o pacto federativo) se dará num espírito de mais responsabilidade e convergência.


João Pimenta da Veiga Filho, 52, advogado, é ministro das Comunicações e deputado federal licenciado pelo PSDB-MG. Foi deputado federal de 1979 a 91, prefeito de Belo Horizonte (1988) e presidente do PSDB (1994).




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