São Paulo, Terça-feira, 30 de Março de 1999
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Novas perspectivas para o magistério



Os déficits educacionais que o Brasil acumulou ao longo de sua história não permitem operar milagres repentinos
JORGE WERTHEIN

Em outubro de 1966, foi aprovada numa conferência internacional convocada pela Unesco, em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho, uma recomendação sobre a situação do pessoal docente. O documento, partindo do princípio de que a educação deve desenvolver o mais profundo respeito pelos direitos humanos, exigia que os educadores desfrutassem de uma situação justa e que sua profissão alcançasse a credibilidade a que faz jus.
A recomendação, com 146 artigos, é um documento extenso e abrangente. Após sua aprovação, constituiu-se um comitê de peritos da Unesco e da OIT para acompanhar sua implantação nos Estados-membros das organizações.
No ano passado, a Unesco editou o Relatório Mundial da Educação. No preâmbulo desse texto, Federico Mayor, diretor-geral da Unesco, reconhece que os 57 milhões de professores no mundo devem receber boa formação e remuneração adequada e que as escolas devem dispor de condições para o desenvolvimento efetivo do ensino.
Uma das preocupações manifestadas nesse relatório, norteado pela recomendação de 1966, é o fato de que muitos países ainda admitem professores sem o devido preparo, o que dificulta a valorização profissional. De 1966 até hoje, os professores e o ensino não têm sido, verdadeiramente, o eixo diretor das políticas de educação no mundo.
No Brasil, a recente divulgação do balanço do primeiro ano do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) torna algumas considerações oportunas. Desde sua proposição, em 1995, a Unesco o acompanha com interesse, por sua dimensão inovadora como política social.
O que chama a atenção no balanço é o impacto redistributivo do fundo. O valor por aluno/ano antes e depois de sua aprovação, sobretudo nas regiões mais carentes do país, não deixa dúvidas quanto à sua relevância como política pública. Em algumas situações, houve um salto de R$ 101 para R$ 315 aluno/ano, gerando efeitos favoráveis em mais de 2.000 municípios. O Fundef também atuou como fator positivo na política de educação para todos. Em decorrência, a taxa de escolarização na faixa dos 7 aos 14 anos está próxima de 96%, colocando o Brasil em situação bem próxima à dos países desenvolvidos.
Quanto à remuneração do magistério, o impacto do Fundef também pode ser considerado alentador. Ele praticamente elimina o quadro trágico de salários vis, abaixo de R$ 100 por mês, e aumenta a remuneração média (jornada de 20 horas) para R$ 229.
O desempenho do Fundef deve ser visto como um começo promissor. O que o diferencia das tentativas em outros países é sua caracterização como mudança estrutural, apoiada na Constituição do país. Seu mecanismo operacional (é um fundo de natureza contábil, que reúne 15% dos principais impostos de Estados e municípios, redistribuindo-os proporcionalmente ao número de alunos efetivamente matriculados nas redes estaduais e municipais) representa um admirável avanço em direção à equidade educacional. O fundo determina, ainda, que 60% dos recursos sejam aplicados na remuneração do magistério em sala de aula.
Como diz Bernardo Kliksberg, especialista em políticas públicas, os países que tiveram êxito na educação foram aqueles que conseguiram dar sustentação e continuidade às políticas implantadas. O Fundef permite isso. Sua concepção favorece a obtenção de ganhos progressivos, o que tende a facilitar sua consolidação. É claro que o valor atual, de R$ 315/ano, está aquém do mínimo desejável para um ensino de qualidade. Ressalve-se, porém, que os déficits educacionais que o Brasil acumulou ao longo de sua história, aliados às dificuldades econômicas, não permitem operar milagres repentinos -mesmo porque isso não existe em educação.
A luta pela valorização do magistério continua, com a vantagem de que, agora, há um mecanismo objetivo em torno do qual deverão ocorrer as futuras negociações: o gasto por aluno/ano.
O Fundef, somado à determinação da Lei de Diretrizes e Bases de, no prazo de dez anos, não admitir na profissão docente pessoas sem formação superior específica e aliado à política do governo para criar mecanismos que possibilitem o cumprimento dessa meta, seguramente coloca o magistério brasileiro numa nova e promissora etapa de lutas.


Jorge Werthein, 57, sociólogo argentino, doutor em educação pela Universidade de Stanford (EUA), é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil e coordenador do programa Unesco/Mercosul.




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