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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Debate já
Não é possível reorientar o rumo
do país sem saber para onde. Um
conservador não precisa ter idéias.
Um progressista convencional, que
queira apenas humanizar a ordem
existente, necessita de poucas idéias
fracas. Quem se proponha, porém, a
obra transformadora requer muitas
idéias fortes. Engajar um movimento
no esforço para desdobrá-las. E fazê-las viver na imaginação coletiva.
Até agora, porém, não conseguimos
instaurar a discussão programática no
Brasil. As elites do dinheiro e do poder
tratam propostas nacionais como ramo da propaganda. A massa popular,
desinformada e aflita, é obrigada a recorrer à intuição para penetrar o nevoeiro das palavras e das imagens. A
classe média, que seria o reduto do debate nacional, ameaça render-se ao
desencanto com a política.
Dois episódios da semana passada
mostram o tamanho do desafio. O
candidato do PT assustou alguns ao
falar em alíquotas de até 50% no Imposto de Renda da Pessoa Física. A
imprensa festejou. Não se comentou o
erro relevante: os endinheirados têm
como se proteger do Imposto de Renda, que funciona como tributo sobre o
salário da classe média.
Pouco depois, o candidato oficial
afirmou ser "delirante" a proposta de
Ciro Gomes de fazer com que o peso
maior da tributação incida sobre o
gasto ou o consumo em vez de incidir
sobre a renda. Sobre essa declaração,
que demonstra despreparo ou má-fé,
guardou silêncio a imprensa. Na Europa, parte mais igualitária do Primeiro Mundo, a tributação do consumo,
na forma do imposto sobre o valor
agregado, já virou a fonte principal da
receita pública. Não é imposto que
permita cobrar mais de quem ganhe
ou de quem gaste mais. Gera, porém,
muito dinheiro com pouco desincentivo. A justiça social, sacrificada à eficiência econômica no desenho da arrecadação, volta redobrada na hora do
gasto público. Importa arrecadar sem
prejudicar o crescimento. E investir
pesado no social o que se arrecadou.
No Brasil, temos de fazer o mesmo,
simplificando o regime tributário, desonerando a produção e ampliando a
base de contribuintes, graças à regularização da economia informal. O sacrifício, porém, só se justificará se
ocorrer no bojo de projeto maior que
democratizar o acesso ao emprego, ao
crédito, à tecnologia e ao ensino. E se
servir como ponto de partida para
construir sistema tributário que não
se contente em ser justo apenas nas
aparências.
A tributação mais severa do consumo de luxo preparará imposto que individualize a tributação do consumo,
combatendo a desigualdade radical
no padrão de vida. E a tributação efetiva das heranças e das doações familiares ajudará a conter a desigualdade extrema de oportunidades.
O exemplo revela a dimensão do
problema. Debate programático sério
é debate complicado. Por isso mesmo,
quem, com seriedade, propõe alternativa democratizante arrisca ter discurso que só seus adversários entendem.
Uma proposta nacional se compõe de
temas que, embora técnicos na aparência, são políticos e sociais no fundo. O conjunto dá sentido às partes.
Seu cerne não está nas abstrações retóricas nem nos pormenores técnicos.
Está na imaginação de uma trajetória
composta por inovações sucessivas e
combinadas e por alianças sociais e
políticas que as sustentem. Trajetória
traduzida em palavras simples, em
medidas de impacto, em símbolos que
ajudem a decifrar propostas e a revelar
intenções.
O Brasil precisa do debate programático e não sabe como tê-lo. Qual a
solução? A solução é persistir.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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