São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Telecomunicações e a área econômica

ARMÍNIO FRAGA NETO

O setor de telecomunicações é dos mais importantes numa economia moderna. Seus serviços são fundamentais no consumo e na produção e, juntamente com a educação, formam a base da economia da informação responsável pela onda de crescimento da produtividade que o mundo vive em nossos dias. No Brasil, até a abertura e a privatização, convivíamos com um setor que, amarrado pela falta de capital e concorrência, não satisfazia às necessidades da sociedade. Todos nós nos lembramos bem das dificuldades para obter uma linha de telefone, dos elevadíssimos custos de sua instalação e da baixa qualidade dos serviços.
O processo de privatização foi idealizado e conduzido de forma admirável pelo ex-ministro Sérgio Motta. Seu êxito pode ser avaliado pela magnitude dos investimentos que seguiram e que permitiram ampliar a oferta de serviços, melhorar sua qualidade e reduzir preços e tarifas para o cidadão. Aliás, esse foi e continua a ser o ponto-chave: o setor foi desenhado para o usuário, através do estabelecimento de metas para o provimento dos serviços e de uma estrutura de mercado favorável à concorrência. A Anatel é parte essencial dessa arquitetura. Agência reguladora independente cuja missão, determinada por lei, é zelar por esses princípios, a Anatel adotou modelo e atuação que tenho elogiado e defendido, dentro e fora do país.
Desde o ano passado, no entanto, temos observado no Banco Central alguns sinais preocupantes no setor, que passa por dificuldades no mundo todo. Aqui no Brasil, o fracasso nos últimos leilões da telefonia celular e os problemas financeiros de algumas empresas acenderam um sinal de alerta, pois o setor é responsável por uma fatia significativa do PIB e tem peso relevante no que diz respeito a aspectos financeiros e de balanço de pagamentos.
Concluímos que o assunto deveria ser levado à CPE (Câmara de Política Econômica), fórum adequado para a discussão de questões de relevância estratégica na área econômica. Isso foi feito na reunião de 6 de março; e encontramos eco entre nossos colegas. Discutimos as telecomunicações abrangentemente, preocupados com o setor como um todo e com suas repercussões maiores. Decidimos que o tema merecia uma análise mais aprofundada e que seria bom, portanto, conversar com a Anatel.


Não é razoável nem prudente esperar de nenhuma área de governo a perfeição permanente


Meu colega Luiz Fernando Figueiredo distribuiu na CPE, com meu consentimento, um texto a título de ilustração dos sinais que captávamos àquela altura. Cabe ressaltar aqui dois pontos com relação a esse texto: 1) Embora o documento não estivesse assinado, seu autor e sua filiação setorial foram identificados quando de sua apresentação aos colegas da CPE; 2) Não endossamos suas conclusões.
A reunião com a Anatel aconteceu no dia 13 de março e contou com a participação do então presidente Renato Guerreiro e de representantes da Casa Civil, da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do BNDES e do Banco Central. A discussão começou pelo tal texto e logo esclareceu-se que a preocupação do grupo, e do BC em particular, era com o setor, não com uma empresa isoladamente.
Ficou claro também que o setor passa não por uma crise, mas, sim, como é natural de tempos em tempos, por um momento de reavaliação de algumas questões importantes para seu futuro. Essa visão é consensual no governo.
Finalmente, Renato Guerreiro revelou que a Anatel não faz análise econômico-financeira das empresas do setor, uma lacuna importante que será preenchida inclusive com o apoio de outras áreas de governo. Foi essa a única decisão tomada na reunião com a Anatel.
Essa não foi a primeira vez que procuramos a Anatel: após a crise cambial de 1999, fizemos consultas para entender a razão dos elevados aumentos nas tarifas de telefonia, o que, evidentemente, não agradou às empresas do setor. Naquela ocasião a Anatel nos informou de que os aumentos foram os previstos nos contratos em vigor e não se falou mais no assunto. As fórmulas de reajuste passaram então a fazer parte de nossa análise da tendência da inflação.
Esse episódio exemplifica um aspecto importante do nosso trabalho: não é razoável nem prudente esperar de nenhuma área de governo a perfeição permanente. Entendo, por isso, ser essencial que outras instâncias de governo, como é o caso da CPE, se sintam obrigadas a alertar as áreas competentes quanto a suas preocupações, sem que isso signifique ingerência ilegítima ou ameaça à autonomia de uma agência reguladora, como a Anatel ou o BC. Na área da energia isso talvez não tenha sido feito com a devida ênfase.
Agimos no sentido de cumprir com nossa responsabilidade e em prol da sociedade. Fiquei surpreso quando, mais de um mês depois das reuniões aqui relatadas, a direção interina da Anatel, em entrevista à imprensa, deu grande destaque ao texto quando este veio a público. Bastava desqualificá-lo tecnicamente, se a intenção era deixar claro que não há crise no setor. Ainda que a direção da Anatel tenha deixado claro que não teve por objetivo fazer nenhuma restrição ao nosso procedimento, o fato é que a entrevista desencadeou manifestações nesse sentido. Aceito as explicações de que foi um mal-entendido, mas não posso aceitar as insinuações, que seguiram, de que agimos movidos por interesses espúrios. Isso seria incompatível com os padrões éticos com os quais sempre trabalhamos.


Armínio Fraga Neto, 44, doutor em economia pela Universidade de Princeton (EUA), é presidente do Banco Central do Brasil.



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