São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Fórum Social Mundial em perspectiva

FRANCISCO WHITAKER

O Conselho Internacional do Fórum Social Mundial está reunido, pela primeira vez depois de Porto Alegre, em Barcelona, desde o último domingo. É oportuno, então, analisar o fórum em perspectiva.
Após o Fórum Social Mundial de 2002, perguntaram a Boaventura de Souza Santos se o fórum teria sido instrumentalizado pelo PT. O sociólogo português sorriu com benevolência e respondeu que o PT era muito pequeno para isso. O prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, em entrevista à Folha na mesma ocasião, afirmou que todos os partidos de esquerda do mundo, unidos, não conseguiriam convocar e realizar um evento como esse.
O fórum foi indiscutivelmente um sucesso. Do primeiro para o segundo, o número de participantes saltou de 20 mil para 50 mil. Boaventura e Tarso partem dessa constatação e apontam as razões desse êxito, que têm a ver com o caráter do Fórum Social Mundial.
Entre os que vieram havia 35 mil "ouvintes", como especificavam seus crachás. Mas aumentou bem mais, proporcionalmente, o número de "delegados", isto é, pessoas inscritas como representantes de entidades e movimentos da sociedade civil, que passaram dos 4.000, em 2001, para 15 mil, em 2002, representando 4.909 organizações de 131 países.
Ora, sem dúvida isso se deve ao que o fórum tinha de inovador: seu caráter plural e não diretivo, que unifica respeitando a diversidade; sua abertura a todos que queiram dele participar -exceto os representantes de organizações armadas e os de governos e partidos enquanto tais-; e o fato de ser uma iniciativa da sociedade civil para a sociedade civil, que fez surgir um novo espaço de encontro, o primeiro desse tipo no plano mundial sem o controle de governos, movimentos, partidos e outras instituições nacionais ou internacionais que disputam o poder político.
Para esses delegados, o fórum era realmente o que seus organizadores pretenderam criar: um espaço horizontal de intercâmbio de experiências e esperanças, em que podiam, livremente, dar visibilidade a suas propostas e lutas, aprender e se realimentar, articular-se no país e no mundo sem que ninguém lhes impusesse idéias, ritmos ou hierarquizações. Um dos elementos essenciais para isso é o caráter não-deliberativo do Fórum Social Mundial, expressamente estabelecido em sua Carta de Princípios.
Nesse ponto, o Fórum de Porto Alegre assemelha-se ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, ao qual se propõe como alternativa. Ambos representam um momento mais intenso de aprofundamento de opções e articulações, no nível mundial, que já existiam antes deles e continuará depois deles. Mas acaba aí a semelhança: enquanto em Davos os controladores do capital buscam expandir seus negócios privados e a prevalência de seus interesses em todo o mundo, Porto Alegre congrega os que se opõem a uma globalização ditada por esses interesses e querem construir um outro mundo, centrado no ser humano e respeitoso da natureza. Um mundo possível, necessário e urgente.


As opções organizativas do fórum fogem aos paradigmas da ação política e pagam seu custo em incompreensão


A diferença de objetivos entre Davos e Porto Alegre determina também uma diferença de métodos. Como em Davos, em Porto Alegre houve conferências, palestras e debates propostos pelos organizadores. Mas, no Fórum Social Mundial, um espaço igualmente importante era reservado a oficinas e seminários propostos e organizados pelos seus próprios participantes: 400 em 2001, 800 em 2002. Na verdade, é o burburinho alegre que se forma em torno dessas oficinas e seminários que cria o ambiente entusiasmado em que o Fórum Social Mundial se desenvolve, em contraste com o cinza engravatado de Davos.
As opções organizativas do fórum fogem aos paradigmas tradicionais da ação política e pagam, por isso, seu custo em incompreensão. A cobertura da imprensa se ressentiu da inexistência de um documento final do evento, muitos cobram a falta de propostas concretas e há os que gostariam que o Conselho Consultivo Internacional do Fórum se transformasse em um novo comando mundial da luta contra o neoliberalismo. São questionamentos que revelam dificuldade em compreender que o fórum não é uma cúpula, mas uma das bases de um movimento social que, para se desenvolver, não pode ter cúpulas nem donos.
Na verdade, surgem no fórum centenas de propostas concretas, de maior ou menor envergadura, mobilizações específicas e novas reflexões. Mas nenhuma dessas propostas e reflexões é do fórum enquanto tal. São de responsabilidade de quem as lançou e de quem as assumir, e cada qual ganhará, ao ser levada adiante, a adesão que seus méritos lhe valerem. Felizmente, as perspectivas de continuidade assumidas pelos organizadores consolidam o método delineado na Carta de Princípios do fórum. Firma-se o conceito de que o fórum é um processo, e não um evento nem uma nova organização dirigida pelos líderes de algum pensamento único.
Para os organizadores do Fórum Social Mundial, o grande desafio é assegurar a continuidade do fórum naquilo que ele tem de efetivamente inovador: seu modo de funcionamento.


Francisco Whitaker, 70, é secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, e membro do Comitê de Organização do Fórum Social Mundial.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Armínio Fraga Neto: Telecomunicações e a área econômica

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.