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TENDÊNCIAS/DEBATES
Fórum Social Mundial em perspectiva
FRANCISCO WHITAKER
O Conselho Internacional do Fórum Social Mundial está reunido,
pela primeira vez depois de Porto Alegre, em Barcelona, desde o último domingo. É oportuno, então, analisar o fórum em perspectiva.
Após o Fórum Social Mundial de
2002, perguntaram a Boaventura de
Souza Santos se o fórum teria sido instrumentalizado pelo PT. O sociólogo
português sorriu com benevolência e
respondeu que o PT era muito pequeno
para isso. O prefeito de Porto Alegre,
Tarso Genro, em entrevista à Folha na
mesma ocasião, afirmou que todos os
partidos de esquerda do mundo, unidos, não conseguiriam convocar e realizar um evento como esse.
O fórum foi indiscutivelmente um sucesso. Do primeiro para o segundo, o
número de participantes saltou de 20
mil para 50 mil. Boaventura e Tarso partem dessa constatação e apontam as razões desse êxito, que têm a ver com o caráter do Fórum Social Mundial.
Entre os que vieram havia 35 mil "ouvintes", como especificavam seus crachás. Mas aumentou bem mais, proporcionalmente, o número de "delegados",
isto é, pessoas inscritas como representantes de entidades e movimentos da
sociedade civil, que passaram dos 4.000,
em 2001, para 15 mil, em 2002, representando 4.909 organizações de 131 países.
Ora, sem dúvida isso se deve ao que o
fórum tinha de inovador: seu caráter
plural e não diretivo, que unifica respeitando a diversidade; sua abertura a todos que queiram dele participar -exceto os representantes de organizações
armadas e os de governos e partidos enquanto tais-; e o fato de ser uma iniciativa da sociedade civil para a sociedade
civil, que fez surgir um novo espaço de
encontro, o primeiro desse tipo no plano mundial sem o controle de governos,
movimentos, partidos e outras instituições nacionais ou internacionais que
disputam o poder político.
Para esses delegados, o fórum era realmente o que seus organizadores pretenderam criar: um espaço horizontal de
intercâmbio de experiências e esperanças, em que podiam, livremente, dar visibilidade a suas propostas e lutas,
aprender e se realimentar, articular-se
no país e no mundo sem que ninguém
lhes impusesse idéias, ritmos ou hierarquizações. Um dos elementos essenciais
para isso é o caráter não-deliberativo do
Fórum Social Mundial, expressamente
estabelecido em sua Carta de Princípios.
Nesse ponto, o Fórum de Porto Alegre
assemelha-se ao Fórum Econômico
Mundial, de Davos, ao qual se propõe
como alternativa. Ambos representam
um momento mais intenso de aprofundamento de opções e articulações, no
nível mundial, que já existiam antes deles e continuará depois deles. Mas acaba
aí a semelhança: enquanto em Davos os
controladores do capital buscam expandir seus negócios privados e a prevalência de seus interesses em todo o
mundo, Porto Alegre congrega os que
se opõem a uma globalização ditada por
esses interesses e querem construir um
outro mundo, centrado no ser humano
e respeitoso da natureza. Um mundo
possível, necessário e urgente.
As opções organizativas do fórum fogem aos paradigmas da ação política e pagam seu custo em incompreensão
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A diferença de objetivos entre Davos e
Porto Alegre determina também uma
diferença de métodos. Como em Davos,
em Porto Alegre houve conferências,
palestras e debates propostos pelos organizadores. Mas, no Fórum Social
Mundial, um espaço igualmente importante era reservado a oficinas e seminários propostos e organizados pelos seus
próprios participantes: 400 em 2001, 800
em 2002. Na verdade, é o burburinho
alegre que se forma em torno dessas oficinas e seminários que cria o ambiente
entusiasmado em que o Fórum Social
Mundial se desenvolve, em contraste
com o cinza engravatado de Davos.
As opções organizativas do fórum fogem aos paradigmas tradicionais da
ação política e pagam, por isso, seu custo em incompreensão. A cobertura da
imprensa se ressentiu da inexistência de
um documento final do evento, muitos
cobram a falta de propostas concretas e
há os que gostariam que o Conselho
Consultivo Internacional do Fórum se
transformasse em um novo comando
mundial da luta contra o neoliberalismo. São questionamentos que revelam
dificuldade em compreender que o fórum não é uma cúpula, mas uma das
bases de um movimento social que, para se desenvolver, não pode ter cúpulas
nem donos.
Na verdade, surgem no fórum centenas de propostas concretas, de maior ou
menor envergadura, mobilizações específicas e novas reflexões. Mas nenhuma
dessas propostas e reflexões é do fórum
enquanto tal. São de responsabilidade
de quem as lançou e de quem as assumir, e cada qual ganhará, ao ser levada
adiante, a adesão que seus méritos lhe
valerem. Felizmente, as perspectivas de
continuidade assumidas pelos organizadores consolidam o método delineado na Carta de Princípios do fórum. Firma-se o conceito de que o fórum é um
processo, e não um evento nem uma
nova organização dirigida pelos líderes
de algum pensamento único.
Para os organizadores do Fórum Social Mundial, o grande desafio é assegurar a continuidade do fórum naquilo
que ele tem de efetivamente inovador:
seu modo de funcionamento.
Francisco Whitaker, 70, é secretário-executivo
da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, e
membro do Comitê de Organização do Fórum Social Mundial.
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