São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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EM BRANCAS NUVENS

Dizia-se , da dinastia dos Bourbon, que depois da Revolução Francesa seus membros "nada aprenderam e nada perdoaram". Ao que tudo indica, o 13º Encontro Nacional do PT realiza-se neste final de semana sob um lema mais amplo, geral e irrestrito. Coisa nenhuma se aprendeu, mas tudo se perdoa.
Afinal, tudo vai bem. Embalado pelos índices atualmente registrados nas pesquisas eleitorais, o PT realiza seu encontro como se não tivesse passado de episódio menor, invencionice da oposição, ou, na melhor das hipóteses, um mistério ainda a ser "devidamente investigado" aquilo que constitui o mais escancarado processo de degradação ética, política e ideológica já vivido por um partido de esquerda no Brasil.
As tentativas de "refundá-lo", reaproximando-o de suas origens sociais, freando o domínio da burocracia partidária e rediscutindo com transparência seus objetivos e compromissos programáticos, foram rapidamente abafadas, depois de amainarem os primeiros espantos com a revelação do mensalão. A crítica interna se rendeu à cooptação, às pressões do Planalto e à "realpolitik" eleitoral. As considerações incômodas ficaram relegadas a grupos nanicos, enquanto o notório núcleo dirigente submerge na hipocrisia, barrando o debate acerca dos desmandos em nome da coesão. "Por que vamos deixar nossas pernas amarradas para os adversários?", disse o ministro Paulo Bernardo (Planejamento).
A política interna de um partido, pode-se argumentar, é assunto que diz respeito apenas a seus militantes. O que merece atenção pública, entretanto, é o grau em que se revelam, na acomodação petista diante da crise, fenômenos que dizem respeito ao conjunto da cultura política e do desenvolvimento institucional do país.
As perspectivas de que no Brasil se constituísse um sistema partidário impessoal e democrático, livre do caudilhismo e do jogo oligárquico, pautado pela clareza programática e pela permeabilidade aos movimentos da sociedade civil, tornam-se claramente mais distantes.
Enquanto o PT se rende, mais do que nunca, ao personalismo em torno de Lula e aos "apparatchiks" que o cercam, o PSDB reduziu a três ou quatro grandes eleitores a escolha de seu candidato à Presidência. Seu costumeiro aliado, o PFL, parece menos uma entidade da sociedade civil do que uma instituição paraestatal à sombra dos poderes regionais. Devorado pelo apetite dos próprios caciques, o PMDB mal merece a denominação de partido, que obviamente deve ser recusada às seitas e legendas de aluguel que compõem quase todo o restante do sistema.
Praticamente não houve partido, entretanto -do PT ao PP de José Janene, do PSDB de Eduardo Azeredo ao PTB de Roberto Jefferson- que não tenha exposto, com a crise do mensalão, a insustentabilidade ética de seus procedimentos; e com ela a necessidade de uma reforma radical no sistema político brasileiro. Como os demais, o PT faz como se nada tivesse acontecido; e cada organização partidária, em vez de refletir as aspirações dos setores organizados da sociedade brasileira, torna-se apenas instrumento para os interesses particulares dos que pretendem o poder.


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