São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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CACOETE ORTODOXO

O Banco Central ensaia desacelerar o ritmo de diminuição da taxa de juros básica. A ata da reunião de abril do Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que, após ter sido reduzida quatro pontos percentuais em sete reuniões seguidas, a Selic se aproximaria do seu piso.
A decisão é um equívoco. O BC reconheceu que houve melhora na trajetória da inflação. Em 12 meses, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que baliza a meta oficial, teve alta de 5,32% em março. Mas a projeção para dezembro caiu para 4,42%, abaixo da meta de 4,5%. Para 2007, as expectativas permaneceram alinhadas com a meta.
Apesar de ter descrito um cenário favorável para o cumprimento das metas de inflação, o Copom salientou que poderá se fazer necessário maior gradualismo na queda dos juros. O documento explicitou três preocupações. Primeiro, a defasagem entre a implementação da política monetária e seus efeitos sobre o nível de atividade e a inflação. Para o BC, a queda nos juros ainda não teve impacto pleno na atividade e, por conseguinte, na inflação. Segundo, a conseqüência sobre os preços da retomada em curso da economia ainda não está clara. Terceiro, tampouco se sabe qual será o efeito do avanço do crédito e do valor do salário mínimo no consumo das famílias.
Assim, "tendo em vista as incertezas que cercam os mecanismos de transmissão da política monetária, (...) o Copom entende que a preservação das conquistas obtidas no combate à inflação (...) poderá demandar que a flexibilização adicional da política monetária seja conduzida com maior parcimônia".
O mercado financeiro entendeu que a Selic poderá cair menos nas três próximas reuniões, alcançando 14,5% em agosto. Isso garantiria a menor taxa de juros nominal da história recente do país na fase mais importante da campanha eleitoral.
Entretanto o IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado), da Fundação Getúlio Vargas, acumulou deflação de 0,92% nos 12 meses terminados em abril. O presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke, sugeriu que o aperto monetário iniciado em junho de 2004 estaria perto do fim. A taxa básica dos EUA deve subir de 4,75% ao ano para 5% em 10 de maio e permanecer nesse patamar, favorecendo os mercados emergentes, como o Brasil.
Essa rara confluência de fatores internos e externos benignos assegura as condições para manter a trajetória de queda da Selic, e não seu arrefecimento. O fato, contudo, não justifica a manifestação voluntarista do titular da Fazenda, Guido Mantega, "garantindo" que os juros continuarão em queda. Não cabe ao ministro antecipar ao público o resultado que deseja das reuniões do Copom.
De todo modo, a confirmar-se a parcimônia do BC nas próximas reuniões do Copom, pouco se terá feito para diminuir os juros reais da economia -que seguirão acima de 10% ao ano, os maiores do mundo. As esperanças de acelerar o crescimento econômico e o abatimento da dívida pública também serão jogadas por terra sem que uma ameaça inflacionária se tenha configurado.


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