São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2007

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Entre riscos e benefícios

JORGE WERTHEIN

Cada vez mais gente está ciente do que a tecnologia pode nos oferecer. Os benefícios parecem óbvios. Já os riscos, nem tanto

"FIQUEM EM casa", dizia a mensagem destinada aos 67 mil alunos, professores e funcionários da Universidade do Texas (EUA). A origem do aviso era a própria direção da universidade, que, naquele dia de janeiro passado, previa as conseqüências da tempestade.
Graças a um sistema avançado de comunicação, os alunos receberam o alerta simultaneamente em forma de mensagens de texto em seus celulares e por e-mail em seus computadores. A universidade também lançou a advertência pela TV e pelo rádio. O resultado não poderia ser melhor: no dia seguinte, ninguém foi ao campus. A estratégia de prevenção funcionou.
É fácil imaginar o potencial dessas medidas. As conseqüências de atentados terroristas, catástrofes naturais, massacres ou acidentes podem ser minimizadas com um alerta via telefone celular -como poderia ter ocorrido no recente massacre na Universidade Politécnica da Virgínia (EUA).
Situações menos trágicas também podem ter o benefício da tecnologia: agendamento ou cancelamento de consultas médicas, lembretes para a realização de uma prova, avisos de chegada ou partida de um vôo, informações sobre o trânsito em determinado trecho de uma rua ou rodovia. Não faltam exemplos de situações em que a tecnologia atual pode e deve fazer toda a diferença. O desafio é torná-las cada vez mais acessíveis ao maior número possível de pessoas de forma sempre produtiva.
Mais e mais governos, empresas, comunidades e indivíduos estão cientes do que a tecnologia pode oferecer.
Os benefícios parecem óbvios. Já os riscos, nem tanto.
O primeiro deles é a exclusão digital. À medida que a sociedade incorpora meios de informação e comunicação novos e mais sofisticados, reproduzem-se dentro dela velhas dessemelhanças. Se, antes, a sociedade assistia ao distanciamento entre analfabetos e letrados -para ficar em uma categoria-, ela agora assiste ao contraste entre quem domina a tecnologia de ponta e quem mal sabe do que se trata. Mais agudo se torna o problema quando se observa que, mesmo entre os privilegiados capazes de operar aparelhos de última geração, há lacunas e, não raramente, abismos.
Eis outro risco. Tornar-se usuário da tecnologia é um passo importante, mas deve prever um segundo: utilizar a tecnologia de maneira produtiva tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo. Grosso modo, pode-se dizer que pouco adianta um adulto jovem ter pleno domínio sobre o uso da internet se, uma vez conectado, ele desperdiçar horas em sites de piadas, para ficar em um exemplo.
Em vista disso, o leque de possibilidades dos novos meios de informação e comunicação parece ilimitado. Por um lado, torna-se imprescindível desenvolver e disseminar tecnologias capazes de melhorar a qualidade de vida do maior contingente possível de pessoas. A popularização do aparelho celular no Brasil é um exemplo de êxito. Por outro lado, torna-se igualmente fundamental que a sociedade esteja intelectual e eticamente preparada para lidar com essas tecnologias.
A democratização avança. Cresce o número de usuários da rede mundial de computadores e de aparelhos celulares, para citar apenas dois exemplos. Segundo o IBGE, o Brasil tem mais de 32 milhões de usuários da internet e 56 milhões de pessoas que possuem telefone móvel para uso pessoal. Isso significa, portanto, que ainda existe a chamada brecha digital. Os avanços, porém, são inegáveis.
A educação para o uso mais adequado e produtivo da tecnologia contemporânea, por sua vez, parece não acompanhar o ritmo da popularização dos novos meios.
Cabe a comparação com o advento do rádio e da televisão. Não resta dúvida de que são veículos quase universais -dificilmente haverá, na maior parte do planeta, um lar onde não haja ao menos um aparelho de rádio ou de TV. Infelizmente, o uso que se faz desses veículos de comunicação nem sempre atende às expectativas de um nível adequado tanto do ponto de vista educacional quanto do ético e, às vezes, até mesmo do informativo. O mesmo já ocorre com aparelhos celulares, computadores e com a internet.
A história se repete, e não é exatamente como farsa. Cabe às autoridades constituídas e à sociedade mais ilustrada a responsabilidade por garantir que os novos recursos tecnológicos continuem a se popularizar, oferecendo facilidades ao maior número possível de indivíduos, ao mesmo tempo em que favoreçam o desenvolvimento intelectual e ético de quem os utiliza. É uma questão de escolha.


JORGE WERTHEIN, doutor em educação e mestre em comunicação pela Universidade Stanford (EUA), é diretor executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana - RITLA.

jwerthein@ritla.net


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