São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

China e Índia

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Indiscutivelmente, nos seminários e foros internacionais de que tenho participado, o tema preponderante é o espetacular desempenho que os dois países mais populosos do mundo (2,2 bilhões de habitantes) vêm tendo nos últimos anos. Numa fase em que as economias dos países maduros têm andado de lado ou mostraram taxas de crescimento muito baixas, as duas estrelas da economia mundial vêm sustentando índices invejáveis, com crescimentos superiores a 6% ao ano.
Muito embora os números da China sejam mais robustos e consistentes, a Índia, com reformas iniciadas nos anos 90, obteve resultados não menos expressivos. Imaginando que era o momento certo, o partido do primeiro-ministro Vajpayee, o Bharatiya Janata (BJP), resolveu antecipar as eleições para capitalizar a fase de prosperidade que o país atravessava, na qual o setor de alta tecnologia ocupou papel de grande destaque. No entanto, para surpresa geral até de si próprios, os opositores, chefiados por Sonia Gandhi, acabaram ganhando as eleições (Sonia Gandhi é italiana de origem e viúva de Rajha Gandhi -este, como sua mãe Indira, foi vítima de atentado que lhe custou a vida).
Imediatamente escolhida pelo seu Partido do Congresso, e apoiada pelo partido comunista, para ser premiê, a sra. Gandhi, depois de alguns dias de meditação, resolveu declinar da indicação, para decepção e tristeza de seus adeptos, que tudo fizeram para que ela reconsiderasse sua decisão. "Ouvi uma voz interior que me indicou que não deveria aceitar aquela posição."
Na realidade, Sonia Gandhi percebeu claramente que iria defrontar-se com grande resistência de segmentos políticos que não aceitavam que uma "estrangeira" viesse a ter em suas mãos o comando do país.


O estreitamento das relações do Brasil com a Índia e a China poderá entrar no radar da política externa norte-americana


Mas as surpresas não pararam por aí. Sem maiores hesitações, ela indicou para primeiro-ministro Manmohan Singh, o arquiteto das reformas econômicas da Índia que aconteceram a partir de 1990, com o início das privatizações, a abertura do mercado para empresas estrangeiras e a desregulação da infra-estrutura. Esse programa teve continuidade por parte do BJP, muito embora sem a mesma ênfase e enfrentando obstáculos e dificuldades para que prosseguissem as privatizações.
A derrota do BJP foi atribuída ao fato de a área rural, onde estão dois terços da população, não estar sendo beneficiada pelo surto de crescimento que vinha favorecendo exclusivamente os grandes centros, onde localizam-se as empresas de ponta e de valor agregado. Portanto os eleitores dessa grande democracia que é a Índia deram, através do voto, sua desaprovação a um crescimento sem face humana.
Enquanto isso, na China, não temos um regime democrático comparável ao da Índia, há forte concentração de renda, censura aos meios de comunicação e um sistema jurídico que deixa a desejar. É um regime de partido único, sem oposição. As imperfeições no sistema financeiro, com muita inadimplência nos bancos, que têm grandes furos, levantam a dúvida sobre a sustentabilidade do seu crescimento, que é fundamental para manter a continuidade dos índices de emprego. Economistas começam a questionar a qualidade das estatísticas nacionais daquele país e perguntam se o crescimento tem sido tão rápido como apregoa o governo.
No entanto é preciso reconhecer que, até agora, os chineses têm administrado a abertura do seu sistema econômico com muita competência, muito embora não se possa dizer o mesmo da abertura política. As repercussões sobre a visita do presidente Lula à China foram de grande monta, inclusive na imprensa norte-americana.
O estreitamento das relações do Brasil com a Índia e a China, ao mesmo tempo em que fracassam as negociações da Alca, poderá entrar no radar da política externa norte-americana. Mas seria um grande engano imaginar, por melhor que sejam as negociações, que a China venha a se tornar nosso principal parceiro comercial, equiparando-se ao grande mercado dos Estados Unidos.
Administrar nosso relacionamento com a China vai, assim, requerer grande habilidade dos nossos dirigentes e diplomatas. Problemas recentes no desembarque da soja, muito embora possam ser justificados, acendem um sinal amarelo. É preciso ter cautela.
Voltando ao tema central desse comentário, os resultados das eleições na Índia são claramente indicativos de que existe uma insatisfação reprimida em processos de crescimento acelerado de uma forma não igualitária. A China terá de administrar esse processo com muita competência; e seus desafios não serão pequenos, quer no campo econômico, quer na política.

Roberto Teixeira da Costa, 69, economista, é sócio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e fundador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).


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