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CARLOS HEITOR CONY
Mensalão & novelão
RIO DE JANEIRO - Artur da Távola
escrevia diariamente uma crônica
sobre televisão, acompanhando capítulo por capitulo as novelas em exibição, que eram umas três só no horário nobre. Uma jornalista perguntou-lhe como conseguia a façanha, se ele
assistia a uma e gravava as duas restantes, para estar sempre por dentro
da trama e do desempenho de cada
artista. Ele disse que não.
Fazia política atuante, tinha um
mandato parlamentar, escrevia um
livro sobre Ravel, passava cinco, seis
dias sem ver determinada novela,
mas bastava uma espiada numa delas e ficava entendendo tudo -se as
histórias estavam bem desenvolvidas, se os atores estavam dando para
o gasto.
Lembrei dele ao passar dez dias
sem notícias aqui da pátria, ocupado
com outras coisas. E deixara para
trás um momento emocionante do
grande novelão nacional. Na volta,
bastou uma olhadela nos jornais,
dois ou três momentos na TV e, sem
ter o engenho e a arte do Távola, fiquei mais ou menos por dentro das
tramas, a principal e as paralelas que
se estão desdobrando por aí.
Tal como as novelas, a impressão é
que as nossas crises se repetem no essencial, buscando as mesmas emoções, os mesmos suspenses, mudando
apenas os personagens e os atores, a
trilha musical e os cenários. No caso
atual, o cenário é o mesmo, é a mesma a emoção com que se aguarda os
próximos capítulos.
Para desgraça minha, nunca fui de
acompanhar novelas, nem mesmo
aquelas que produzia numa emissora que não mais existe, talvez por
conta do péssimo trabalho que ali fazia, não por gosto ou necessidade,
mas por extravagante solidariedade
à empresa que me dera emprego
quando tinha todas as portas fechadas no mercado.
Não estou me comparando ao Artur da Távola, nem posso chegar a
tanto. Há uma diferença básica entre
a sabedoria do mestre e a minha burrice. Ele passava dias sem ver as novelas e entendia tudo. Eu passei dez
dias sem nada ver, mas deu na mesma: continuo sem entender nada.
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