São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Mensalão & novelão

RIO DE JANEIRO - Artur da Távola escrevia diariamente uma crônica sobre televisão, acompanhando capítulo por capitulo as novelas em exibição, que eram umas três só no horário nobre. Uma jornalista perguntou-lhe como conseguia a façanha, se ele assistia a uma e gravava as duas restantes, para estar sempre por dentro da trama e do desempenho de cada artista. Ele disse que não.
Fazia política atuante, tinha um mandato parlamentar, escrevia um livro sobre Ravel, passava cinco, seis dias sem ver determinada novela, mas bastava uma espiada numa delas e ficava entendendo tudo -se as histórias estavam bem desenvolvidas, se os atores estavam dando para o gasto.
Lembrei dele ao passar dez dias sem notícias aqui da pátria, ocupado com outras coisas. E deixara para trás um momento emocionante do grande novelão nacional. Na volta, bastou uma olhadela nos jornais, dois ou três momentos na TV e, sem ter o engenho e a arte do Távola, fiquei mais ou menos por dentro das tramas, a principal e as paralelas que se estão desdobrando por aí.
Tal como as novelas, a impressão é que as nossas crises se repetem no essencial, buscando as mesmas emoções, os mesmos suspenses, mudando apenas os personagens e os atores, a trilha musical e os cenários. No caso atual, o cenário é o mesmo, é a mesma a emoção com que se aguarda os próximos capítulos.
Para desgraça minha, nunca fui de acompanhar novelas, nem mesmo aquelas que produzia numa emissora que não mais existe, talvez por conta do péssimo trabalho que ali fazia, não por gosto ou necessidade, mas por extravagante solidariedade à empresa que me dera emprego quando tinha todas as portas fechadas no mercado.
Não estou me comparando ao Artur da Távola, nem posso chegar a tanto. Há uma diferença básica entre a sabedoria do mestre e a minha burrice. Ele passava dias sem ver as novelas e entendia tudo. Eu passei dez dias sem nada ver, mas deu na mesma: continuo sem entender nada.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: A divisão faz a força
Próximo Texto: Demétrio Magnoli: Os letrados contra a cidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.