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TENDÊNCIAS/DEBATES
O aborto deve ser descriminalizado?
NÃO
A origem da vida do ser humano e o aborto
ALICE TEIXEIRA FERREIRA
Embriologia significa o estudo
dos embriões. Entretanto se refere,
atualmente, ao estudo do desenvolvimento de embriões e fetos. Surgiu com
o aumento da sensibilidade dos microscópios. Karl Ernst von Baer observou,
em 1827, o ovo ou zigoto em divisão na
tuba uterina e o blastocisto no útero de
animais. Em duas obras descreveu os
estágios correspondentes do desenvolvimento do embrião. Por isso é chamado de "pai da embriologia moderna".
Em 1839, Schleiden e Schwan, ao formularem a teoria celular, foram responsáveis por grandes avanços da embriologia. Conforme tal teoria, o corpo é
composto por células, o que leva à compreensão de que o embrião se forma a
partir de uma única célula, o zigoto,
que, por meio de muitas divisões celulares, forma os tecidos e órgãos de todo
ser vivo. Com base nessas evidências experimentais, o papa Pio 9º aceitou, em
1869, a concepção como a origem do ser
humano.
Não se trata, portanto, de um dogma
religioso, mas da aceitação de um fato
cientificamente comprovado.
Para não dizer que são conceitos ultrapassados, basta verificar que todos os
textos de embriologia humana consultados, nas suas últimas edições, afirmam que o desenvolvimento humano
se inicia quando o ovócito é fertilizado
pelo espermatozóide. Todos afirmam
que o desenvolvimento humano é a expressão do fluxo irreversível de eventos
biológicos ao longo do tempo que só pára com a morte. Todos nós passamos
pelas mesmas fases do desenvolvimento intra-uterino: fomos um ovo, uma
mórula, um blastocisto, um feto. Em todos os textos os autores expressam sua
admiração ao fato de uma célula, o ovo,
dar origem a algo tão complexo como o
ser humano.
Alguns afirmam ser um milagre.
Em 2002, na revista "Nature", Helen
Pearson relata os experimentos de R.
Gardener e Magdalena Zernicka-Goetz,
em que demonstram que o nosso destino está determinado no primeiro dia,
no momento da concepção.
Mais recentemente, também na "Nature", Y. Sasai descreve os fatores/proteínas que controlam o desenvolvimento do embrião a partir da concepção,
descobertos por Dupont e colaboradores. Lewis Wolpert chega a afirmar que
o momento em que o ovo começa a se
dividir é o momento mais importante
de nossa vida, mais que o nascimento,
casamento ou morte.
Tenta-se atualmente, com uma retórica ideológica, justificar a morte de embriões e fetos com argumentos despidos
de fundamentos científicos. "Não sabemos quando começa a vida humana."
Pelo visto acima, não é verdade. O embrião humano é um montinho de células. Se fossem células comuns, pesquisadores não estariam tão interessados nelas. São tão extraordinárias que dão origem a um indivíduo completo.
"O embrião humano não tem cérebro
e é comparável à morte cerebral." Comparação absurda, pois a morte cerebral
é uma situação irreversível -não há
maneira de recuperar os neurônios
mortos-, e o embrião tem células pluripotentes que vão originar o cérebro.
"O embrião com menos de 14 dias não
tem consciência porque não tem tecido
neural." Mas esse argumento decorre
apenas e tão-somente da separação entre mente/alma e corpo operada pela filosofia cartesiana.
Conclusão: o ser humano, desde o ovo
até o final da vida, passa por diversas fases de desenvolvimento (ontogenia),
mas, em todas elas, é o mesmo indivíduo que, continuamente, se autoconstrói e se auto-organiza. Por ser o ciclo do
desenvolvimento humano relativamente longo, podemos perder a visão do todo, fixando-nos em suas partes. Daí o
surgimento de estatutos que regulam
fases da vida humana: o das crianças e
adolescentes e o dos idosos. Torna-se
necessário agora o "Estatuto dos Embriões e Fetos", para evitar que eles sejam assassinados por qualquer motivo.
Alguns utilitaristas, frente à realidade
desses fatos, passam agora à sociedade a
responsabilidade de decidir sobre a
morte do embrião e fetos humanos, já
que aceitam utilizar para transplante os
órgãos de um indivíduo com morte encefálica. Contrapondo, há católicos,
evangélicos, espíritas e budistas que,
por motivação religiosa, têm a obrigação de se colocarem em defesa de uma
população tão vulnerável como a dos
embriões e fetos humanos. Em defesa,
enfim, da dignidade humana.
Assim, ser a favor da descriminalização do aborto equivale a ser conivente
com o assassinato de embriões e fetos
que, como vimos, já são vida humana.
E, com isso, não há como concordar.
Alice Teixeira Ferreira, 63, médica, é professora livre-docente de biofísica e coordenadora do
Núcleo Interdisciplinar de Bioética da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo).
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