São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Por procuração

Chave para desfazer o pacto extremista é trazer a Síria para o campo dos moderados; crise pode ensejar iniciativa de paz

"O IRÃ e a Síria estão dispostos a lutar até o último libanês." Embora jocosa, a frase descreve com precisão uma faceta importante do atual conflito no Oriente Médio. É uma guerra por procuração. De um lado estão os grupos terroristas Hamas (palestino) e Hizbollah (libanês) apoiados por Irã e Síria. De outro, Israel com o decisivo amparo dos EUA. As vítimas são, pela ordem de escala, as populações civis libanesa, palestina e israelense, que sofrem e morrem com bombas e foguetes.
É imperativo suspender de imediato as hostilidades, mas isso não basta. É preciso criar condições para que o cessar-fogo não seja apenas um intervalo entre duas guerras. Aplicar a resolução 1.559 do Conselho de Segurança da ONU, que determina o desarmamento das milícias libanesas, é o passo fundamental.
A ofensiva israelense foi provocada por uma ação concertada das forças extremistas na região, que seqüestraram soldados judeus. Fizeram-no com vistas a três propósitos. Reduzir a pressão que até palestinos vinham exercendo para forçar o Hamas a reconhecer Israel. Suspender o processo de democratização do Líbano, que vinha alijando a Síria da influência que exercia sobre o vizinho. E lançar para segundo plano as tentativas internacionais de fazer o Irã interromper seu programa nuclear. Em maior ou menor grau, conseguiram.
A aliança entre os radicais, porém, é mais circunstancial do que ideológica. Hizbollah e Irã são xiitas, enquanto Hamas e a Síria são majoritariamente sunitas. Quando não enfrentam inimigo comum (Israel), representantes dessas duas seitas islâmicas costumam digladiar-se.
A chave para desfazer o pacto dos extremistas é trazer a Síria para o campo dos países árabes moderados, como Egito, Jordânia e Arábia Saudita. É sintomático que os sauditas, sempre os primeiros a condenar Israel por não importa o quê, desta vez tenham imputado ao Hizbollah a responsabilidade pela crise.
Sem utilizar a Síria como corredor, o Irã não teria meios de seguir armando a milícia xiita. Não será fácil trazer Damasco para o lado dos moderados, mas essa não é uma tarefa impossível.
O ditador sírio Bashar al Assad já esteve aliado ao Ocidente. Após o 11 de Setembro, Damasco auxiliou os EUA com informações sobre a rede terrorista Al Qaeda. A Síria, contudo, foi afastada das boas relações com Washington principalmente pelo apoio prestado ao Hizbollah, o que lhe valeu a inclusão no "eixo do mal" dos discursos de Bush.
Assad não cobrará pouco para romper com os terroristas. Exigirá alguma "indenização" pela perda da influência sobre Beirute. EUA e Israel têm recursos para bancar a paz. Israel pode acenar com a devolução das colinas do Golã, tomadas à Síria em 1967.
A atual crise tem chances de tornar-se uma oportunidade para uma iniciativa de paz mais ampla no Oriente Médio, que leve à criação de um Estado palestino e à normalização das relações entre Israel e seus vizinhos árabes. Ainda não se revelaram estadistas à altura desse desafio.


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