São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Conjunto de obra

RIO DE JANEIRO - No cinema, na literatura, nas artes plásticas e na música, criou-se a cultura dos prêmios, distribuídos anualmente ou, em casos especiais, para comemorar datas ou eventos, como o centenário de uma cidade ou instituição. Ditos prêmios são geralmente relativos a obras específicas, surgidas em determinado período.
Há, porém, um prêmio destacado, o mais consagrador, dedicado ao conjunto de obra. O Prêmio Nobel de Literatura e o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, estão nesta categoria. O premiado nem precisa ter feito obra alguma nos últimos tempos; é laureado pelo que já fez, pelo conjunto de sua produção.
Analisando-se o governo Lula por esse prisma, acredito que deva ser julgado pelo conjunto da obra que fez em dois anos e meio de mandato. E esse julgamento inclui necessariamente os últimos escândalos que traumatizam a nação e a envergonham, ainda que as investigações técnicas não tenham chegado a uma conclusão.
Sim, não há conclusão, mas um julgamento global de tudo o que houve. As responsabilidades pessoais não estão ainda determinadas. É possível que as acusações que pesam contra fulano ou sicrano sejam retiradas e surjam outras que esperam o momento de explodir sua malignidade.
Contudo a pessoa do presidente da República, responsável maior pelo governo e pelo partido que está no poder, desde já pode ser julgada pelo conjunto de obra. Tudo o que houve, mesmo antes de o PT chegar aonde chegou, pode não ter sido feito com o conhecimento e muito menos com a aprovação de Lula.
Mas fica impossível isolar o expoente máximo do partido e a autoridade também máxima do governo de todas as tramóias e assaltos ao bem público cometidos por seus correligionários e auxiliares mais próximos.
Com seu jeitão de homem simples, do povão, ele botava a mão no fogo, dava cheques em branco a pessoas que agora acusa de traição. Mas quem traiu o seu passado não foram os outros, foi ele mesmo.


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