São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Próximo Texto | Índice

Que permaneça

Não há evidência de que a reeleição tenha piorado a política; vale manter o instituto em nome da estabilidade das normas

A ESTABILIDADE na competição pelo poder é de fundamental importância nos regimes democráticos. Regras para a disputa de cargos eletivos as quais na essência se mantêm ao longo de décadas ajudam o cidadão a avaliar com propriedade os candidatos, auxiliam os partidos -estejam no governo, estejam na oposição- na confecção de suas estratégias e favorecem a decantação da democracia como cultura.
A manutenção das normas básicas na política deixa de ser vantajosa, obviamente, quando passa a servir para preservar disparates. Dispositivos nocivos para a representação popular devem ser excluídos do acervo jurídico tão logo sua impropriedade seja amplamente reconhecida.
Provar a nocividade da reeleição para o Executivo é justamente o que falta aos que agora ensaiam, nas cúpulas de grandes partidos brasileiros, um movimento para derrubar o instituto, implantado em 1997. Não há nenhum consenso na opinião pública, nenhuma comunhão de pareceres acadêmicos, nenhum indicador objetivo que sugira que a experiência com a reeleição até aqui seja desastrosa. No balanço de custos e benefícios, ainda ganha o eleitor, que agora dispõe da opção de reeleger um político cuja gestão aprove.
A principal tentação introduzida pelo sistema -o convite à gastança eleitoreira com vistas à recondução do governante- tem sido combatida pelo aperfeiçoamento das instituições. A era da reeleição coincide com a era da responsabilidade fiscal.
Remanesce a distorção que autoriza quem se candidata a um segundo mandato a permanecer no cargo, enquanto seus adversários são obrigados a renunciar a qualquer posto no Executivo seis meses antes do pleito. Não é necessário, no entanto, acabar com a reeleição se o objetivo é equacionar esse problema. Basta igualar as condições da disputa, seja extinguindo a necessidade de desincompatibilização antecipada para todos os postulantes, seja exigindo que o candidato à reeleição também esteja fora do posto meio ano antes do pleito.
Se deixar de ser exposta a regras novas a cada dois anos, a Justiça Eleitoral tem todas as condições de desenvolver, em pouco tempo, estrutura e experiência necessárias para identificar com presteza os casos de uso da máquina pública para fins eleitorais e punir com rigor os responsáveis pelos desvios.
Dos quatro pleitos em que foi permitida a reeleição até aqui, se sabe que o índice de sucesso dos candidatos que postulam um segundo mandato vem aumentando -ao menos nos principais colégios eleitorais do país. Embora esse resultado convirja com o de outros países onde o instituto existe há mais tempo, oito anos de vigência são insuficientes para uma avaliação apropriada do sistema no Brasil.
Avaliação mais precisa, isso sim, pode-se ter das motivações que levam alguns políticos a propugnarem pelo fim da reeleição. Trata-se do velho hábito de tentar moldar as regras a interesses de ocasião. Contra a chaga casuística, sejamos conservadores: que a reeleição permaneça.


Próximo Texto: Editoriais: Solidariedade mecânica

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.