São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

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Solidariedade mecânica

"POLÍTICA a gente faz com o que tem, não com o que quer", pontificou anteontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com intelectuais na capital paulista. O aforismo -que dá asas à intrigante especulação em torno de como seria o governo dos sonhos do petista- surtiu efeito: um manifesto em apoio à sua reeleição encerrou a reunião.
Com 213 assinaturas, o documento é o ápice de uma movimentação em voga nas últimas semanas: a quebra do silêncio de entusiastas do governo que se mantiveram à sombra durante os momentos agudos da crise.
Mal as pesquisas de intenção de voto registraram o favoritismo do candidato Lula, artistas e intelectuais aproveitaram jantares, simpósios e celebrações para voltar aos holofotes e destilar máximas destinadas a transformar o mensalão em nota de pé de página da história. Não faltou o brado contra o "preconceito de classe" dos que ousam criticar a administração petista -a mesma que proporciona os mais vultosos lucros aos bancos.
Só não se pode dizer de tamanho entusiasmo que já se dê à luz do sol -"o melhor desinfetante", diz um outro aforismo- porque os encontros com artistas e intelectuais foram todos noturnos. Os eventos são sobretudo simbólicos. Contribuem para a tentativa de anistiar o presidente dos escândalos de corrupção; tentam manter, no plano do marketing, o vínculo do ex-operário com frações ditas esclarecidas.
Ainda que demonstrar simpatia ao governo não seja má estratégia para artistas dependentes de leis de incentivo à cultura, o apoio sugere ainda outras razões. Muitas dessas manifestações ecoam ressentimentos, expectativas frustradas e sobretudo lealdade a um ideário perdido.
Hábil, o presidente Lula nada perde em alimentar os que insistem em idealizá-lo.


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