São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A origem da crise é o FMI

JOSÉ MARIA DE ALMEIDA

No momento em que escrevia este artigo, todos os jornais noticiavam que o dólar tinha sua maior alta num mesmo dia desde janeiro de 1999. Segundo a manchete desta Folha, publicada no dia 25 de setembro, o real fechou abaixo do peso argentino. O risco-país bateu os 2.221 pontos e o volume de negócios da Bovespa vem desabando, com a bolsa operando em baixa durante praticamente toda a última semana.
Até bem pouco tempo o governo, grandes banqueiros e empresário do país e, inclusive, o FMI diziam que o Brasil havia se descolado da Argentina e que a economia brasileira possuía fundamentos muito mais sólidos do que nosso vizinho. Agora ninguém mais pode negar que o Brasil foi tragado para o mesmo buraco que levou à quebra daquele país. A obediência ao receituário neoliberal e o cumprimento do novo acordo com o FMI não evitarão a quebra do Brasil, pelo contrário, são causa e consequência da iminente falência do país.
Esta situação se dá não porque o candidato preferencial do FMI e da Fiesp, José Serra, não decola nas pesquisas ou porque, mais recentemente, se ventila a hipótese de Lula vencer as eleições no primeiro turno. As atuais turbulências se devem, em primeiro lugar, à crise da economia norte-americana e, em segundo lugar, à desconfiança do mercado de que o Brasil possa seguir remunerando os capitais especulativos por meio de uma dívida pública que já ultrapassou os 60% do PIB. A própria agência Standard & Poor's afirmou recentemente como bastante possível a hipótese do calote da dívida pública brasileira em 2003.
Enquanto isso, José Serra, Ciro Gomes, Anthony Garotinho e Lula, em seus programas eleitorais, prometem mundos e fundos aos trabalhadores e ao povo. Falam que vão garantir o cumprimento de suas promessas de gerar, por exemplo, 8 ou 10 milhões de empregos, apostando num crescimento econômico da ordem de 4% a 6% ao ano, no momento em que a produção industrial norte-americana retrocede, a economia européia -em particular a alemã- mantém um crescimento pífio e o Japão, há mais de uma década, patina numa recessão crônica.


O conto de fadas do horário eleitoral gratuito se transformará, no primeiro dia do governo, num pesadelo real


Seja lá quem for o presidente eleito, ele herdará a economia do país à beira do precipício, fruto dos anos de "estabilidade" monetária de FHC. As "sólidas" propostas de geração de 8 ou 10 milhões de empregos se desmancharão no ar, com a constatação de que o país não crescerá nem 2% ao ano e que o governo não terá dinheiro para investir nas áreas sociais, porque o Orçamento da União estará voltado para honrar os contratos da dívida pública. O conto de fadas do horário eleitoral gratuito se transformará, no primeiro dia do novo governo, num pesadelo bem real.
Nesta campanha eleitoral vem se expressando, ainda que de maneira distorcida, a indignação dos trabalhadores e do povo contra o modelo neoliberal e o governo FHC. Os mais de 10 milhões de votos do plebiscito popular contra a Alca, frutos de uma grande campanha que mobilizou dezenas de milhares de ativistas dos movimentos sociais, apontam mais claramente nesse sentido. Por isso José Serra não só não consegue ultrapassar o patamar de 20% das intenções de voto, como é o candidato com maior rejeição: 40% dos entrevistados nas últimas pesquisas não votariam em Serra. Isso porque ele é o candidato de um governo que está sendo repudiado pela maioria da população.
Lula, o candidato do maior partido da classe trabalhadora deste país, em vez de corresponder a esse sentimento de repúdio e expectativa de mudanças, tem se preocupado em acalmar o mercado financeiro. Mas não se pode servir a dois senhores: ou se governa para os banqueiros ou para os trabalhadores. Ou se honram os contratos com a dívida externa ou se gera emprego. Ou se mantém o superávit primário ou se investe massivamente nas áreas sociais. Ou se realizam novas privatizações ou se reestatizam as empresas privatizadas. Ou se defende o grande latifúndio ou se faz a reforma agrária. Enfim, ou é a subordinação de joelhos aos Estados Unidos ou o rompimento com o FMI e a Alca.
A classe trabalhadora e o povo brasileiro necessitam de uma alternativa de esquerda capaz de levantar um programa que parta do não-pagamento da dívida externa e da ruptura com o FMI e a Alca. Só atacando os lucros dos grandes bancos e corporações transnacionais será possível gerar recursos suficientes para atender às reivindicações e necessidades dos trabalhadores e do povo.
Esta alternativa deu seus primeiros passos no grande movimento que garantiu a vitória do plebiscito contra a Alca. Esse movimento pode e deve avançar no sentido da construção de um novo partido que unifique todos aqueles que não desertaram da luta contra o grande capital e seguem reivindicando a independência de classe e uma estratégia socialista.


José Maria de Almeida, o Zé Maria, 44, metalúrgico, é candidato do PSTU à Presidência da República.



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