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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A saída para o Pacífico

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Agora que a diplomacia brasileira elegeu como nossa prioridade política internacional a integração da América do Sul, chegou a hora de pensarmos seriamente no problema da saída para o oceano Pacífico.
A única via terrestre transoceânica existente é a ligação do nosso sistema modal ferro-rodoviário Sudeste-Sul, partindo de Uruguaiana (RS), cruzando a Argentina via Mendoza, transpondo a fronteira Argentina-Chile através do túnel Cristo Redentor e alcançando o oceano Pacífico em Valparaíso. Só essa ligação Atlântico-Pacífico é insuficiente para vitalizar uma política de integração político-econômica com os países andinos debruçados sobre o Pacífico.
Os norte-americanos progrediram, tornaram-se a potência que são, porque já em fins do século 19 tinham construído a articulação viária do seu imenso território, rasgando-o com as ferrovias transcontinentais Atlântico-Pacífico, valendo-se de sua soberania sobre as duas grandes vertentes oceânicas e do seu pioneirismo na indústria siderúrgica. Com isso, cedo vitalizaram todas as regiões do país.


A integração de nosso subcontinente, nesta hora, assume nova valorização política, econômica e cultural


Hoje ninguém no Brasil ignora que a nossa fronteira econômica chegou aos confins de Mato Grosso, Goiás e Amazonas. As estatísticas assinalam, nos últimos 30 anos, crescente e substancial aumento da produção agrícola, pecuária e mineral dessas regiões interioranas, antes isoladas e inativas, agora ansiosas por abrir caminhos para a exportação de suas riquezas. A localização centro-continental dessas regiões coloca-as em posição desfavorável e muito distantes de nossos principais portos de exportação do sul do país.
São conhecidas as manifestações dos governos, economistas e empresários de Mato Grosso e do Amazonas no sentido de encontrar uma saída mais curta, nos portos do Pacífico, para as suas exportações e também para seu comércio com os vizinhos Peru e Bolívia. O mesmo desejo de intercâmbio verifica-se nesses países.
As vantagens para a economia dessa região central, resultantes da construção de um corredor sólido de exportação para o Pacífico, não podem mais ser ignoradas. Nem se podem ignorar os enormes obstáculos a serem vencidos pela engenharia para assentar uma via permanente em terreno de selva, pântanos e altos contrafortes andinos. Entretanto um dos argumentos mais convincentes a favor da construção desse corredor é o enorme encurtamento das distâncias para alcançar os mercados do Pacífico (detentor de cerca de 40% do comércio mundial) e o consequente barateamento das tarifas de transporte, aumentando a competitividade de nossos produtos.
Apenas para exemplificar, considerando como pólos terminais de interesse exportador a capital do Acre, Rio Branco, e o principal porto japonês de destino, Yokohama, os percursos são:
1) pela rota Rio Branco-Santos-Canal do Panamá-Yokohama, 22.900 km;
2) pela rota Rio Branco-Santos-África do Sul-Yokohama, 22.400 km;
3) pela rota Rio Branco-Callao, Peru (a ser construída)-Yokohama, 16.500 km, sendo a parte terrestre de 1.900 km e a parte marítima de 14.600 km.
Assim, além do encurtamento de cerca de 6.000 km de percurso, seria favorecido o descongestionamento das já supercarregadas saídas sul (estradas e portos) e revitalizado o comércio e intercâmbio das populações vizinhas da fronteira norte.
A integração de nosso subcontinente sul-americano, nesta hora, assume nova valorização política, econômica e cultural devido à adesão manifestada pelos governos das 12 nações que o formam. Amalgamou-se a consciência de que, neste mundo da globalização e das disputas de mercado, a formação de blocos regionais protege melhor o interesse de cada membro. Nesse elenco de nações, temos a responsabilidade maior, por sermos o país territorialmente mais extenso, o mais populoso e mais próspero. A efetivação da geopolítica de integração dessa massa subcontinental muito dependerá da existência de um sistema vertebral de transportes que corresponda às suas aspirações de intercâmbio e de comércio.
No contexto desse almejado sistema de transportes subcontinental, a construção de uma estrada permanente de saída para o Pacífico, partindo do Acre e buscando um porto do Peru (há pelo menos três projetos estudados), atenderá aos desejos e interesses das populações e dos Estados vizinhos e constituirá, sem dúvida, uma iniciativa de alta prioridade.

Carlos de Meira Mattos, 90, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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