São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Brasil, Iraque, Haiti

SÃO PAULO - Peço ao leitor que, por favor, volte às fotos que esta Folha publicou ontem na capa, aquelas dos policiais do Rio de Janeiro cercando moradores do morro da Providência e, depois, carregando escadas abaixo o cadáver de um deles.
Pergunto: há alguma diferença essencial entre essas cenas e as cenas de decapitação de reféns pelos terroristas iraquianos? A rigor, a única diferença é a arma usada, porque a selvageria é rigorosamente a mesma. Até os cenários são parecidos na selvageria pelo que revelam de anarquia e de abandono.
Passe agora, caro leitor, para as fotos do arrastão na praia do Leblon. Qual é a diferença entre os ataques nesse que é um dos principais pontos do Rio de Janeiro e os saques em Gonaives, em um Haiti devastado pelos conflitos internos, pela corrupção, pela violência endêmica e, agora, por um furacão?
Bom, aqui há, sim, diferenças, mas a favor do Haiti: lá, a dissolução do poder público é oficialmente assumida. Aqui, supostamente existem as instituições responsáveis pela ordem pública. Existir, até existem. Funcionar é outra história.
Passe o leitor agora para as declarações do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um excelente advogado e uma bela figura pública, aliás. O ministro reconhece, implicitamente, que o presidente da República cometeu crime eleitoral ao pedir votos para a prefeita Marta Suplicy em inauguração de obra, mas dá de ombros: foi "pecado venial". Até seria, se de religião se tratasse. Mas, para crimes, não há "veniais" ou "capitais". Há crime. Ponto.
No fundo, é essa leniência com o desrespeito à lei que faz o Brasil ter momentos (os piores momentos, aliás) de Iraque e de Haiti.
Não é por acaso, portanto, que pesquisa do Banco Mundial mostre o Brasil como o pior país, entre 53 pesquisados em matéria de corrupção e de criminalidade.
É esse o país real. Não há campanha ufanista capaz de ocultá-lo.


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