São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O sistema político brasileiro funciona bem?

NÃO

Pobre eleitor

MARIA D'ALVA GIL KINZO

QUE O sistema político brasileiro funciona, atesta o fato de o país seguir andando, a despeito das graves crises políticas e econômicas pelas quais passou ao longo destas duas décadas de experiência democrática. Mas, daí a afirmar que o sistema político funciona bem, vai uma longa distância.
Basta olhar para os resultados em desenvolvimento econômico e social que os sucessivos governos produziram para constatar que, de fato, mal saímos do lugar. E isso tendo passado por governos liderados por figuras políticas de perfis tão diversos como os de Collor e Lula, Itamar e FHC.
É certo que foram muitos os obstáculos. Além das dificuldades econômicas que cada um desses governos enfrentou, para não falar das opções equivocadas de uns ou mal-intencionadas de outros, há fatores de ordem político-institucional. Quer se goste ou não, é difícil negar os problemas institucionais que dificultam a eficácia governativa, ou seja, a capacidade de produzir e implementar políticas.
De fato, são próprios do regime federativo e da forma presidencialista de governo a dispersão do poder, o que por si só torna mais complexas as tarefas de um governo nacional, ainda mais quando é nessa esfera que, no Brasil, se concentra a maior parte das decisões sobre políticas públicas.
Se a isso agregamos um sistema pluripartidário exacerbado e partidos com baixa lealdade partidária, o processo decisório governamental se torna ainda mais complicado. O Legislativo -palco do embate entre governo e oposição- deixa de ser a principal arena de negociação sobre políticas públicas para ser substituído pelas ante-salas dos mais diferentes órgãos governamentais, onde negociações heterodoxas têm lugar.
Pode-se argumentar que o problema não é a estrutura, mas de quem nela está -os políticos. É possível que sejam eles, ou uma boa parcela deles. Mas quem os escolhe somos nós. O que me leva a um segundo ponto: o processo eleitoral, do qual participaremos amanhã.
Pobres de nós, eleitores! "Está nas nossas mãos" decidirmos quem vai nos governar nos próximos quatro anos, como apregoou o TSE ao longo da campanha. Mas, como decidir, de forma a tentar acertar desta vez, com tão pouca informação circulando sobre as diferentes candidaturas?
Já é escassa a informação para as eleições majoritárias, mas, pelo menos, temos condições de formar uma idéia sobre os candidatos. Mas, e nas eleições para deputado federal e estadual? Mesmo os eleitores mais comprometidos com o dever cívico se sentem perdidos na tentativa de contribuir para melhorar a composição dos membros da Casa mais importante da democracia representativa -a Câmara dos Deputados.
Ainda que sejamos muito criteriosos na hora de votar, não teremos certeza se nossa decisão se efetivará. Refiro-me ao sistema de representação proporcional de lista aberta com extensas circunscrições, em que o eleitor vota num candidato individual (ou partido, caso não tenha uma escolha), e são eleitos os mais votados de um determinado partido ou aliança, de acordo com o número de cadeiras obtidas, em função da votação total.
Tomemos um eleitor fictício -alguém que teve o esforço de cavar informação para definir seu candidato a deputado, um dos que preenchem os requisitos mínimos para o exercício de um cargo público. Ao votar nesse candidato, é possível que o eleitor contribua para a eleição de seu escolhido. Mas, quanto maior a votação desse candidato, maior será também o número de votos sobrantes (acima do quociente eleitoral), os quais ajudarão a eleger outros candidatos menos votados, possivelmente com perfil bastante diferente daquele em que nosso eleitor fictício se baseou.
Isso significa que, mesmo tendo direito de escolher seu candidato, sua preferência não foi respeitada. E sua preferência partidária também pode não ter sido respeitada: se for uma aliança, seu voto pode ter ajudado a eleger um candidato de outro partido. Em suma, pode ser em vão sua tentativa de fazer uma escolha criteriosa. Esse é só um exemplo dos problemas do nosso processo eleitoral, o qual, aliado a outros problemas político-institucionais, me faz responder "não" à questão apresentada e defender uma reforma política que vá além de alterações superficiais nas regras eleitorais.


MARIA D'ALVA GIL KINZO, 55, doutora pela Universidade de Oxford e livre-docente pela USP, é professora do Departamento de Ciência Política da USP.

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