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TENDÊNCIAS/DEBATES
O sistema político brasileiro funciona bem?
NÃO
Pobre eleitor
MARIA D'ALVA GIL KINZO
QUE O sistema político brasileiro funciona, atesta o fato de o
país seguir andando, a despeito das graves crises políticas e econômicas pelas quais passou ao longo
destas duas décadas de experiência
democrática. Mas, daí a afirmar que o
sistema político funciona bem, vai
uma longa distância.
Basta olhar para os resultados em
desenvolvimento econômico e social
que os sucessivos governos produziram para constatar que, de fato, mal
saímos do lugar. E isso tendo passado
por governos liderados por figuras
políticas de perfis tão diversos como
os de Collor e Lula, Itamar e FHC.
É certo que foram muitos os obstáculos. Além das dificuldades econômicas que cada um desses governos
enfrentou, para não falar das opções
equivocadas de uns ou mal-intencionadas de outros, há fatores de ordem
político-institucional. Quer se goste
ou não, é difícil negar os problemas
institucionais que dificultam a eficácia governativa, ou seja, a capacidade
de produzir e implementar políticas.
De fato, são próprios do regime federativo e da forma presidencialista
de governo a dispersão do poder, o
que por si só torna mais complexas as
tarefas de um governo nacional, ainda
mais quando é nessa esfera que, no
Brasil, se concentra a maior parte das
decisões sobre políticas públicas.
Se a isso agregamos um sistema
pluripartidário exacerbado e partidos
com baixa lealdade partidária, o processo decisório governamental se torna ainda mais complicado. O Legislativo -palco do embate entre governo
e oposição- deixa de ser a principal
arena de negociação sobre políticas
públicas para ser substituído pelas
ante-salas dos mais diferentes órgãos
governamentais, onde negociações
heterodoxas têm lugar.
Pode-se argumentar que o problema não é a estrutura, mas de quem
nela está -os políticos. É possível que
sejam eles, ou uma boa parcela deles.
Mas quem os escolhe somos nós. O
que me leva a um segundo ponto: o
processo eleitoral, do qual participaremos amanhã.
Pobres de nós, eleitores! "Está nas
nossas mãos" decidirmos quem vai
nos governar nos próximos quatro
anos, como apregoou o TSE ao longo
da campanha. Mas, como decidir, de
forma a tentar acertar desta vez, com
tão pouca informação circulando sobre as diferentes candidaturas?
Já é escassa a informação para as
eleições majoritárias, mas, pelo menos, temos condições de formar uma
idéia sobre os candidatos. Mas, e nas
eleições para deputado federal e estadual? Mesmo os eleitores mais comprometidos com o dever cívico se sentem perdidos na tentativa de contribuir para melhorar a composição dos
membros da Casa mais importante da
democracia representativa -a Câmara dos Deputados.
Ainda que sejamos muito criteriosos na hora de votar, não teremos certeza se nossa decisão se efetivará. Refiro-me ao sistema de representação
proporcional de lista aberta com extensas circunscrições, em que o eleitor vota num candidato individual
(ou partido, caso não tenha uma escolha), e são eleitos os mais votados de
um determinado partido ou aliança,
de acordo com o número de cadeiras
obtidas, em função da votação total.
Tomemos um eleitor fictício -alguém que teve o esforço de cavar informação para definir seu candidato a
deputado, um dos que preenchem os
requisitos mínimos para o exercício
de um cargo público. Ao votar nesse
candidato, é possível que o eleitor
contribua para a eleição de seu escolhido. Mas, quanto maior a votação
desse candidato, maior será também
o número de votos sobrantes (acima
do quociente eleitoral), os quais ajudarão a eleger outros candidatos menos votados, possivelmente com perfil bastante diferente daquele em que
nosso eleitor fictício se baseou.
Isso significa que, mesmo tendo direito de escolher seu candidato, sua
preferência não foi respeitada. E sua
preferência partidária também pode
não ter sido respeitada: se for uma
aliança, seu voto pode ter ajudado a
eleger um candidato de outro partido.
Em suma, pode ser em vão sua tentativa de fazer uma escolha criteriosa.
Esse é só um exemplo dos problemas do nosso processo eleitoral, o
qual, aliado a outros problemas político-institucionais, me faz responder
"não" à questão apresentada e defender uma reforma política que vá além
de alterações superficiais nas regras
eleitorais.
MARIA D'ALVA GIL KINZO, 55, doutora pela Universidade de Oxford e livre-docente pela USP, é professora do Departamento de Ciência Política da USP.
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