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TENDÊNCIAS/DEBATES
O sistema político brasileiro funciona bem?
SIM
Correlação espúria
FABIANO SANTOS
OS ESTATÍSTICOS utilizam uma
ótima expressão para caracterizar um equívoco muito freqüente entre analistas que interpretam como relações de causalidade
meras associações temporais entre
dois fenômenos: correlação espúria.
Trata-se de lição básica em cursos
de metodologia -o fato de dois fenômenos ocorrerem ao mesmo tempo
não permite a inferência de que um
seja causado pelo outro ou seja a causa dele. Pois bem, o atual debate em
torno da reforma política é marcado
por uma imensa correlação espúria.
O fato de termos vivido crises políticas oriundas da descoberta de práticas ilícitas de membros do governo,
no passado e no presente, comportamento também observado no Legislativo, tem levado à conclusão de que
há uma relação de causalidade entre o
sistema político em seu atual formato
e a proliferação da corrupção.
Por conseguinte, bastaria alterar as
regras, em particular as que regem a
competição eleitoral para a Câmara
dos Deputados, e o sistema passaria a
produzir representantes éticos e de
alto padrão moral. A fragilidade do argumento é gritante.
O problema da corrupção e a proliferação de escândalos é fenômeno comum a todos os sistemas políticos
nos quais os seguintes ingredientes se
encontram associados: capitalismo,
setor público ativo na economia, democracia com sufrágio universal,
além de partidos em busca de financiamento para campanha.
Ou seja, a corrupção é um problema
em todos os lugares em que capitalismo convive com democracia, independentemente do sistema político
adotado. Os países que conseguiram
diminuir as taxas de corrupção foram
aqueles que aperfeiçoaram as instituições de controle, como ouvidoria,
Ministério Público e Tribunais de
Contas. Não creio que estejamos indo
mal nesse aspecto.
O mérito das principais propostas
de reforma política atualmente em
voga pode ser avaliado, todavia, quanto a sua capacidade de qualificar o sistema político brasileiro com relação a
outros quesitos. Por exemplo, a estabilidade do quadro partidário.
Tome, nesse sentido, a proposta de
implantação do voto distrital (sic)-misto, o modelo alemão. Não vale a
pena discutir, neste pequeno espaço,
as enormes dificuldades advindas da
tentativa de adotar tal sistema no
Brasil. Talvez venha mais ao ponto
lembrar que alguns países adotaram o
famoso modelo na esperança de conferir mais estabilidade e consistência,
"accountability" ou o que seja ao sistema de partidos, e longe estiveram
de alcançar os objetivos colimados.
Basta lembrar os casos da Venezuela, Bolívia, México e Itália, países que
adotaram o distrital (sic)-misto e enfrentam quadros partidários fragmentados, pulverizados e polarizados, para constatar que a mercadoria
vendida não foi entregue. Se a linha
da correlação espúria é livre, arrisco a
argumentar, contra o sistema, que o
modelo alemão não funciona em países de língua latina.
O sistema brasileiro funciona bem,
obrigado. Temos um sistema partidário estabilizado, com taxas de volatilidade cadentes, girando em torno de
quatro a cinco partidos em equilíbrio
de condições, e que expressa a pluralidade social radicada na sociedade. Temos uma disputa presidencial mais
estabilizada ainda, baseada em torno
de dois blocos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita, que se revezam e continuarão a se revezar no
poder, caso os arroubos lacerdistas
dêem lugar ao bom senso e à disputa
em torno de uma agenda para o país.
Mudanças são bem-vindas, desde
que preservando o caráter radicalmente democrático de nossa arquitetura institucional, calcadas no presidencialismo, grande símbolo da incorporação política em um país desigual, no voto proporcional, garantia
dos direitos de minoria em uma sociedade complexa e plural, e na lista
aberta, quem sabe flexível, espaço vital de preservação da "accountability"
nas eleições para o Legislativo.
FABIANO GUILHERME MENDES DOS SANTOS, 42, doutor em ciência política, é professor titular e pesquisador
da Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro). É autor, entre outras obras, de "O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão" (UFMG/Iuperj).
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