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MARCOS NOBRE
E agora, liberais?
A MAIOR OPERAÇÃO ideológica desde a queda do Muro
de Berlim foi por água abaixo. Fizeram do secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson,
um super-herói que iria salvar o
planeta de um gigantesco acidente
natural chamado crise financeira.
Colocaram no roteiro verdadeiras
crises de consciência: o herói faria
o salvamento ao preço de enorme
sacrifício pessoal, imolando suas
mais caras convicções liberais no
altar da estatização.
Na seqüência, fizeram com que o
já entronado grão-vizir das finanças públicas negociasse com os legítimos representantes do povo. Os
superpoderes se tornariam então
poderes supervisionados e delegados pela vontade da maioria.
O acordo entre Hollywood e o
Capitólio foi selado no domingo e
derrubado no dia seguinte. Para o
Congresso dos EUA não foi suficiente dizer "desculpe, foi engano"
depois de décadas de exaltação
às maravilhas da desregulação
econômica.
A situação é inédita. Pela primeira vez o capitalismo enfrenta uma
crise global sem ter adversário.
Não há movimento social e político
de importância a confrontar o capital e a sua forma de distribuir a
riqueza. E, nesse momento, a
premissa de toda a encenação
desmorona: não há harmonia
preestabelecida entre capitalismo
e democracia.
Resta saber que figurino vai usar
agora quem toca o bumbo do liberalismo econômico no Brasil. A primeira tentativa foi vender o resgate como salvação universal e defesa
do bem comum em uma situação
de emergência. Não colou. Nos últimos tempos, resolveram dar de
analistas imparciais, que não têm
nada a ver com isso.
Nos casos mais patológicos,
mantiveram a beligerância de sempre, só que disfarçada. Em vez de
falar da crise do mercado, disseram
que a regulação estatal também
produz crises. Recorreram a uma
suposta experiência histórica para
dizer que políticas adotadas para
conter crises só fazem piorar as crises. Para completar, espreguiçaram na cadeira de balanço e pontificaram que a crise é uma oportunidade, uma pausa para a reflexão e
para a reforma interior da pessoa
humana.
Não é só cinismo. É arrogância
própria de quem serve ao poder do
capital da maneira que for necessária. Poder que detém um quase
monopólio da tradução da crise para a sociedade na esfera pública.
Foi essa arrogância que produziu
tantas trocas levianas de figurino
ideológico em tão pouco tempo. A
dança descompromissada do liberalismo confiou em que um Congresso não desafiaria um plano que
se apresentou desde o início como
inevitável, sem alternativa. Vão ter
de fazer muito melhor agora.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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