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CLÓVIS ROSSI
O hino e os amigos
SÃO PAULO - Duas frases ditas
anteontem definem à perfeição por
que o debate público no Brasil é em
geral indigente e por que o serviço
público é em geral tão pobre.
Frase 1, do novo ministro das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, ao aludir à sua fidelidade
canina a Luiz Inácio Lula da Silva:
"Parecia jogo de futebol em que as
torcidas [os lulistas] ficam se digladiando, mas, quando toca o hino,
todo mundo canta uma música só".
É o que acontece, com raras exceções, no debate público: os lulo-petistas e a oposição não se comportam, com raras exceções, como animais pensantes, mas como rebanho. Os hoje governistas, antes
oposicionistas, põem a mão no peito e cantam o hino lulo-petista, sem
discutir se a execução é boa, ruim
ou péssima, se a letra é a mais adequada ou não. Aplaudem sempre,
incondicionalmente.
Já a oposição vaia sempre, como
se estivesse tocando o hino da Argentina. Inteligência que é bom vira
vaga-lume nesse comportamento
de manada: pisca aqui e ali, mas logo se apaga.
Frase 2, do presidente Lula, ao rebater críticas à nomeação de apaniguados de partidos, "como se algum
partido que ganhou a eleição empregasse todos os inimigos e deixasse os amigos de fora".
O segredo da boa governança,
versão Lula, é não deixar os amigos
de fora. Se os amigos são competentes ou não, se são corruptos ou não,
se usam os cargos para proveito político ou pessoal, é indiferente.
Importante é não deixar os amigos ao sereno.
Como todos os partidos procedem da mesma maneira, o serviço
público deixa de ser público para se
transformar em uma ação entre
amigos. Como consequência inexorável, a prioridade é atender os amigos, não o público.
Se houve, em algum momento, a
noção de coisa pública desapareceu
do Brasil. Há apenas o hino e os
amigos que cantam.
crossi@uol.com.br
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