|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Faz favor
RIO DE JANEIRO - Nos bondes de antigamente, a figura máxima, autoridade suprema, era a do cobrador.
Equilibrava-se precariamente nos estribos superlotados, vestia uma farda
de casimira com colete e infinitos bolsos. Sua função -como o nome indicava- era cobrar. Cobrar o preço
das passagens.
Cada cobrador tinha o seu método,
mas havia um denominador comum
entre eles: era o polido e obrigatório
"faz favor" com que ele se dirigia aos
passageiros, sobretudo àqueles que
fingiam não vê-lo ou alegavam já ter
pago a viagem.
Estes últimos também tinham a sua
técnica: abriam o jornal e mergulhavam a cara entre as páginas. Lá vinha o cobrador, fazendo aquele barulhinho com as moedas e dizendo:
"Faz favor". O cara tirava a cara do
jornal, olhava espantado para o cobrador e reclamava: "Outra vez?". O
truque geralmente colava, era impossível ao cobrador guardar a cara dos
caras que já haviam pago.
Lembro os cobradores dos bondes
porque vamos entrar em tempos de
cobranças, quando todos seremos cobradores, uns mais, outros menos. A
maioria cobrará saúde, emprego, salário, educação, aposentadoria, justiça social, distribuição de renda, soberania nacional. Essas coisas que nos
foram prometidas.
Tudo bem, será parte do jogo, ou
melhor, da viagem do grande bonde
chamado Brasil nos trilhos e nas ruas
da vida pública.
Mas haverá cobradores outros, com
a mão estendida fazendo aquele barulhinho das moedas e dizendo: "Faz
favor". Os passageiros que agora estão embarcando no bonde nacional
terão de pagar a passagem, honestamente, sem estrilar.
Teme-se, por incontáveis motivos,
alguns históricos, outros de circunstância, que um outro passageiro adote a técnica da cara-de-pau e, além
de não pagar o que deve, ainda reclame: "Outra vez?".
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Assunto de Estado Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Completou-se o ciclo Índice
|