São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Completou-se o ciclo

"Consummatum est"! Graças à decisão soberana dos brasileiros, completou-se o ciclo civilizatório implícito na Constituição de 1988. Ela estabeleceu direitos e garantias individuais que a comparam muito bem com as melhores do mundo e definiu a forma de organização social, jurídica e econômica que os brasileiros queriam para si. Como se diz no seu preâmbulo, "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil".
Por que o ciclo se completa agora? Porque, em 1988, o PT, um partido menor, radical e aguerrido, tinha dúvidas sobre essa ser a melhor forma de organização do país, e muitos dos seus representantes demoraram a assinar a Constituição. Nos últimos 14 anos, o PT foi mudando até metabolizar as diretrizes constitucionais. Elas impõem no campo econômico a compatibilização entre a eficiência alocativa do mercado, que exige a plena liberdade individual, mas que é de acomodação mais difícil com a "igualdade e a justiça". Essa compatibilização se faz através do processo eleitoral, das urnas. É por meio delas que a sociedade julga a qualidade da política econômica imposta pelo poder incumbente dos ângulos da eficiência alocativa do mercado (crescimento econômico), da liberdade individual e da redução das desigualdades. É o diálogo permanente entre o "mercado" e a "urna" que permite, no campo econômico, a construção de uma sociedade na qual os "valores supremos" da liberdade individual, do desenvolvimento e da igualdade vão-se compatibilizando.
Uma das vantagens do PT é nunca ter sido infectado pela "sólida e democrática" mentalidade do PCB e ter guardado razoável distância dos ideólogos marxistas que assustavam o velho Karl. Foi isso que permitiu a formulação do seu novo programa (que tenho chamado de "Carta de Ribeirão Preto"), completamente expurgado dos preconceitos contra a propriedade privada (base do mercado e da liberdade), contra o processo competitivo e contra o respeito aos contratos. Nada mais de "rupturas românticas" com o passado para construir um Brasil novo (e um brasileiro novo!), rupturas que fizeram a desgraça de dois terços da humanidade dominada pelas "democracias populares".
Com a mudança de seu programa, o PT aceitou integrar o corpo político nacional. A sua vitória nas urnas gera, assim, a enorme esperança de que completemos o ciclo definitivo da democracia "pluralista" definida na Constituição de 1988.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br




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