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São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O croché e o príncipe

RIO DE JANEIRO - Na semana passada, escrevi sobre a moça que se considerava em estado de graça porque, entre outras coisas, tinha pressa, queria ser feliz e já. Para meu espanto, recebi e-mails de alguns cavalheiros que diziam conhecer essa moça, que, na realidade, fora inventada por mim, direito que me assiste como desocupado profissional, exercendo o duro ofício de ficcionista em tempo integral.
Mesmo assim, dei razão aos que me mandaram mensagem -da mesma forma que eles me haviam dado razão. Já se foi o tempo em que as moças, sobretudo as que se sentiam em estado de graça, não tinham pressa para nada, nem mesmo para ser feliz. Uma de suas funções, se não a maior, a mais importante, era saber esperar. Esperar o príncipe encantado em seu cavalo branco, cantando, como no filme da Branca de Neve, "esta canção que eu canto, fala só de você", dublada pelo finado Carlos Galhardo.
Para ajudar na espera, que às vezes demorava além da conta e transformava a moça em empacada, ela aprendia a tocar piano e a fazer croché. Hoje, elas renunciam a um e a outro aprendizado, principalmente ao croché.
Historiadores respeitáveis afirmaram que o nazismo foi a pior desgraça do século 20. E que o sucesso do regime foi produto de uma eficiente campanha mercadológica, dirigida por Goebbels, que era o marqueteiro oficial de Hitler. E, no início de tudo, ele espalhou a mensagem que mudaria a mente e o coração dos derrotados alemães da guerra anterior: "A mulher alemã voltou a fazer croché".
Foi um apelo fulminante, algumas delas terminariam fazendo croché nas horas vagas em que exerciam o ofício de guardiãs dos campos de concentração.
As moças de hoje não sabem fazer croché. Aprendem a fazer outras coisas e as fazem bem. Por isso, têm pressa e se declaram em estado de graça, porque acreditam que, subitamente, alguém cantará para elas a canção que desejam ouvir.


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