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CARLOS HEITOR CONY
O croché e o príncipe
RIO DE JANEIRO - Na semana passada, escrevi sobre a moça que se considerava em estado de graça porque,
entre outras coisas, tinha pressa, queria ser feliz e já. Para meu espanto,
recebi e-mails de alguns cavalheiros
que diziam conhecer essa moça, que,
na realidade, fora inventada por
mim, direito que me assiste como desocupado profissional, exercendo o
duro ofício de ficcionista em tempo
integral.
Mesmo assim, dei razão aos que me
mandaram mensagem -da mesma
forma que eles me haviam dado razão. Já se foi o tempo em que as moças, sobretudo as que se sentiam em
estado de graça, não tinham pressa
para nada, nem mesmo para ser feliz.
Uma de suas funções, se não a maior,
a mais importante, era saber esperar.
Esperar o príncipe encantado em seu
cavalo branco, cantando, como no
filme da Branca de Neve, "esta canção que eu canto, fala só de você", dublada pelo finado Carlos Galhardo.
Para ajudar na espera, que às vezes
demorava além da conta e transformava a moça em empacada, ela
aprendia a tocar piano e a fazer croché. Hoje, elas renunciam a um e a
outro aprendizado, principalmente
ao croché.
Historiadores respeitáveis afirmaram que o nazismo foi a pior desgraça do século 20. E que o sucesso do regime foi produto de uma eficiente
campanha mercadológica, dirigida
por Goebbels, que era o marqueteiro
oficial de Hitler. E, no início de tudo,
ele espalhou a mensagem que mudaria a mente e o coração dos derrotados alemães da guerra anterior: "A
mulher alemã voltou a fazer croché".
Foi um apelo fulminante, algumas
delas terminariam fazendo croché
nas horas vagas em que exerciam o
ofício de guardiãs dos campos de concentração.
As moças de hoje não sabem fazer
croché. Aprendem a fazer outras coisas e as fazem bem. Por isso, têm pressa e se declaram em estado de graça,
porque acreditam que, subitamente,
alguém cantará para elas a canção
que desejam ouvir.
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