|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOÃO SAYAD
Bienal de 2006
A ELEIÇÃO acabou. Os daltônicos foram derrotados.
Daltônicos confundem verde com vermelho, azul com roxo.
Sem ajuda, comprariam gravata
roxa que lhes parece azul e discreta. Como ninguém enxerga a própria gravata, enfeite destinado aos
outros, sempre perguntam à vendedora qual a cor dessa gravata?
Não é possível definir a priori
quem é daltônico. Depende de como a maioria (50% mais um) percebe o espectro cromático. Em tese, qualquer um poderia ser chamado de daltônico. Daltônica é
sempre a minoria.
A patologia não é percebida na
infância. Nos piores casos, transformam-se em adultos com fobia a
divergências, ótimos profetas, terroristas ou ditadores. Nos casos
mais freqüentes, viram adultos que
respeitam opiniões alheias e mantêm a própria convicção, ainda que
minoritária. Parecem cínicos, mas
são boa gente e republicanos.
Por coincidência, neste ano, a
Bienal está organizada em torno do
tema "Como viver juntos?", pergunta prática e oportuna. Pense no
sinal de trânsito -quem define
quando está verde?
A pergunta da Bienal pode ser
respondida de duas formas. Pode
ser o convívio proposto pelos relativistas. Respeito exagerado à opinião alheia, que chega à indiferença e transforma diálogos em falas
alternadas sobre assuntos desconexos. Eu digo o que digo por que
sou branco, paulista e do gênero
masculino. Você pensa o que pensa
por que é negro e baiano. Não existe verdade, todos os valores são incomensuráveis.
A alternativa é o fundamentalismo. Não abro mão das minhas convicções e tento derrotar as opiniões
contrárias. O papa, por exemplo,
propôs guerra ao relativismo e luta
pelo restabelecimento da Verdade.
O papa parece concordar com
Adam Smith, que descobriu que, se
cada empresa procurar egoisticamente o maior lucro possível, acaba altruisticamente tendo lucro
nulo, para felicidade geral dos consumidores. Se cada um acredita
numa verdade particular, para o
conjunto nada é verdade. O relativismo floresce num mundo de fundamentalismos concorrentes.
Americanos são relativistas -separam-se em raças, gêneros e brigam para proibir o ensino da teoria
da evolução. Os fundamentalismos
se compensam internamente e liberam confuso relativismo geral.
No exterior, longe dos outros americanos, são fundamentalistas.
Brasileiros, estamos condenados, por amor, a viver juntos. Seremos salvos dos dois extremos se,
como os daltônicos, pouparmos ao
olhar dos outros o mau gosto da
gravata roxa. Só atravessam o sinal
vermelho observando a maioria,
forma democrática de desobedecer
à lei.
jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Bola demais Próximo Texto: Frases
Índice
|