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MARCOS NOBRE
Um país normal
"BARCELONA" é uma revista de humor argentina
que surgiu em 2003. Sobre as eleições, saiu-se com o seguinte: "Que barbaridade esse povo que valoriza mais os direitos humanos do que o preço do tomate".
Porque a campanha da oposição
não foi muito além de discutir o
preço dos tomates e das batatas. E
o governo de Néstor Kirchner teve
como uma de suas prioridades a
reabertura dos processos para apurar crimes cometidos durante a ditadura militar.
Não que Cristina Kirchner tenha
dito muita coisa. Fez uma campanha minimalista. Deu apenas uma
entrevista coletiva e fez um giro internacional em plena campanha.
Foram além dos legumes apenas
a cobertura e as análises da campanha eleitoral. Mas, no geral, apresentaram o favoritismo de Cristina
Kirchner como se fosse um defeito
essencial do povo argentino: decidir pela continuidade das políticas
implantadas desde 2003.
O analista político James Neilson resumiu esse estado de coisas
um tanto surreal: "O eleitorado decidiu há muito tempo que não está
interessado em mudar e, por isso,
se nega a deixar-se influir por detalhes como uma corrupção galopante, inflação em alta e uma crise
energética que, com certeza, se
agravará. Esses e outros temas, em
um país normal, seriam mais do
que suficientes para garantir a derrota do governo".
É difícil imaginar o que possa ser
um "país normal". Enumerar uma
longa lista de problemas -e eles
não faltam à Argentina- não serve
de explicação para o que quer que
seja, muito menos para a eleição de
Cristina Kirchner.
Há razões de sobra para criticar o
governo Kirchner. Mas o fato é que
os governos de Duhalde e de Néstor Kirchner conseguiram o que
ninguém se arriscava a prever: que
a Argentina fosse se recuperar da
hecatombe da década Menem. O
curioso é que as análises mencionem isso como se não tivessem feito mais do que sua obrigação.
A pergunta seria então: por que
temas tão decisivos para o futuro
da Argentina não foram discutidos
a fundo durante a campanha? Pois
é sabido que, para garantir a continuidade, Cristina Kirchner terá
mesmo de mudar: será obrigada a
fazer um profundo ajuste fiscal,
controlar a inflação e encaminhar a
solução da crise energética. Terá de
colocar a economia argentina de
volta no cenário internacional.
O eleitorado argentino considerou que um governo que conseguiu
a extraordinária recuperação dos
últimos anos é o mais bem preparado para enfrentar esses próximos desafios. Se vai conseguir ou
não, só será possível saber nos próximos quatro anos. Porque "país
normal" não existe em lugar nenhum do mundo.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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