São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O Judiciário e a transição para a era digital

HENRIQUE NELSON CALANDRA


Diante de tantos bons argumentos, não há por que não colocar a tecnologia à disposição da prestação jurisdicional e do cidadão

O IMPACTO da revolução da informática em nosso dia-a-dia se apresenta tão importante quanto o da Revolução Industrial, no século 18 -se não maior.
A tecnologia, que hoje permeia das menores às maiores células do convívio social e determina o ritmo da globalização mundial, alterou por completo a forma de vivermos, ditando novos comportamentos, impulsionando o avanço da ciência. A informática possibilita ainda uma comunicação célere e eficiente, que desfaz as fronteiras da distância. Assim, atende ao propósito de despertar no homem a curiosidade e a busca pela diversidade de conceitos e experiências.
Ante essa nova concepção de vida em sociedade, não resta ao Estado de Direito outra alternativa que não se adaptar a esse universo tão dinâmico.
Os tribunais do país têm se deparado com a necessidade de atualização do seu aparato tecnológico. Estão cientes de que somente por meio dela será possível injetar eficiência e agilidade no trâmite processual, de forma a inverter o gráfico quantitativo de litígios há bom tempo ascendente.
Em 2007, foram distribuídos quase 6 milhões de ações para um total de 2.400 magistrados, o que representa 2.397 processos novos por juiz. Na média, cada um recebe dez processos novos por dia útil. Só neste ano, o número de feitos distribuídos já atingiu a marca dos 3,6 milhões, mostrando nítido aumento em relação a 2007 -um acréscimo de 800 mil ações.
Ciente do importante papel da informatização no combate à morosidade processual, o presidente Lula sancionou a lei nº 11.419/06, que deu o grande impulso para a virtualização do processo judicial.
Em São Paulo, algumas unidades judiciárias operam com processos digitalizados. Essa é a realidade, por exemplo, do Fórum Regional da Freguesia do Ó, na capital. A expectativa é que, dentro de alguns anos, a transposição do papel para o virtual atinja 100% dos fóruns do Estado.
Contudo, para chegar a esse estágio, é preciso superar alguns entraves, entre eles, a diversidade de equipamentos -por exemplo, impressoras, em que ocorre ausência de padronização, gerada por várias aquisições parciais- e, o mais grave, a falta de previsão orçamentária. Ao menos no caso de São Paulo.
Hoje, o Tribunal de Justiça do Estado não possui independência financeira, como previsto pelo artigo 99 da Constituição. Apenas entrega proposta orçamentária ao Executivo, mas o valor aprovado, na maior parte das vezes, não corresponde ao requisitado. A autonomia financeira é fundamental para o desenvolvimento e a informatização das cortes de Justiça.
Além desses fatores, é preciso considerar a segurança dos dados. Estruturar e administrar uma imensa rede que se estenderá por 700 unidades judiciárias será tarefa hercúlea e de grande responsabilidade.
Todos já tivemos problemas provocados por vírus no computador pessoal. Perdemos os arquivos, mas formatamos o equipamento e pronto -tudo resolvido.
Esse imprevisto, transferido para um contexto mais amplo -no caso, uma rede de proporções gigantescas como a do Judiciário paulista-, é algo muito mais complexo. O nosso país é recordista em atividades de hackers.
Em 2004, a Polícia Federal chegou a divulgar que, de cada 10 hackers existentes no mundo, 8 eram do Brasil.
Preocupado com a ação dos criminosos que atuam na rede mundial de computadores, o TJ-SP está adotando a certificação digital. Com sua implementação plena, todo funcionário terá um cartão com uma senha secreta, desconhecida inclusive da própria autoridade certificadora.
A assinatura digital conferirá aos documentos o mesmo valor jurídico dos documentos em papel assinados de próprio punho. O sistema tem como pilares a autenticidade, a integridade e a confiabilidade, minimizando os riscos em torno da segurança.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já adquiriu muitos certificados com a Serasa, que é autoridade certificadora vinculada à Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
Porém, ainda precisará obter outros para toda a demanda de funcionários.
Aqui, mais uma vez, resvalamos na necessidade de investimentos.
Entretanto, estudos sinalizam que os recursos destinados à constituição da plataforma tecnológica do processo digital terão um retorno altamente compensador. Dentre as vantagens, pinço a aceleração no trâmite do processo, que beneficiará enormemente a população.
Diante desse e de tantos outros bons argumentos já mencionados, não há por que não colocar a tecnologia à disposição da prestação jurisdicional e, logicamente, do cidadão, principal usuário dos nossos serviços.


HENRIQUE NELSON CALANDRA é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).


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